Moldávia, um país esquecido
A vitória de Maia Sandu nas recentes eleições presidenciais é também um triunfo para a democracia no país, que ainda está em fase de consolidação. Contudo, o caminho para reformas estruturais profundas será complicado, já que ela necessita ter a maioria no Parlamento, pejado de rinocerontes que sucumbiram à doença da corrupção e do conformismo.
Num tempo de ascensão de autoritarismos e desinformação na Europa, a Moldávia – um país pequeno, onde a política é uma ficção assombrada pelo fantasma soviético – elegeu a primeira mulher Presidente. Para muitos, Maia Sandu representa mudança mas também esperança, e isso reflecte-se nas diásporas moldavas que formaram filas de vários quilómetros, em muitos países da Europa, mesmo com frio e chuva, para além do vírus, que espreita sorrateiramente a cada esquina.
Nos bastidores da política internacional, as eleições na Moldávia quase passaram despercebidas, já que o país é pouco conhecido. Nas aventuras de Tintin na Syldavie, o lugar é retratado como um Estado pequeno, ancorado nas costas do Mar Negro, entre a Roménia e a Ucrânia. Coincidência ou não, estamos hoje perante um território parecido, que é resultado de uma história complexa, de lutas, conquistas e perdas, entre reinos e impérios, que reflete uma cultura e sociedade polarizada. Por um lado, existe o seu passado no Império Otomano, por mais de 300 anos, em que pagava tributo para continuar um Estado vassalo autónomo, com a presença atual da Gagauzia, uma região autónoma, etnicamente motivada pela predominância do povo Gagauz. Por outro, existe o domínio e a influência soviética, através do qual se implementou uma forte política de russificação cultural, que ainda perdura na Transnístria, um enclave semi-autónomo no Noroeste do país.
O espectro político na Moldávia é similar ao da Ucrânia, onde existem partidos pró-europeus, pró-russos, indivíduos ricos e oligarcas que procuram influenciar e exercer controlo. Os partidos de direita são normalmente associados à integração na União Europeia, enquanto os de esquerda favorecem a relação com a Rússia. A sua incorporação na União Soviética reflecte a dicotomia nas eleições, na medida em que a candidata pró-Europeia Maia Sandu, do Partido Acção e Solidariedade (PAS), representa para muitos moldavos a mudança contra o sistema obsoleto e corrupto do antigo Presidente Igor Dodon. Para além de ser considerado um dos piores Presidentes que o país já teve, estando a favor do reforço dos laços com a Rússia, existem ainda as suas ligações ao oligarca Vladimir Plahotniuc, que apoiou a sua candidatura no passado. A sua campanha eleitoral foi bastante semelhante à que Donald Trump dirigiu, tentando dividir o país e espalhar notícias falsas sobre Maia Sandu. A desinformação foi um dos seus truques políticos para denegrir a imagem da oposição. Apoiado pelos meios de comunicação sociais russos, conseguiu divulgar amplamente informações falsas, afirmando que se Maia Sandu fosse eleita haveria guerra e a língua russa seria proibida, apresentando-a também como alguém que é contra os valores tradicionais. Em países com democracias ainda frágeis, estratégias de desinformação são perigosas e podem resultar, uma vez que visam confundir e incutir medo na população, bem como influenciar o comportamento eleitoral.
Contudo, a voz de Maia Sandu, que tem criticado veemente a corrupção endémica e as instituições fracas capturadas por forças oligárquicas, conseguiu convencer parte da população. As suas promessas para reformar e retirar a velha classe política e começar a integração do país na União Europeia são medidas essenciais para o futuro da Moldávia, que precisa de modernização e desenvolvimento. Dentro da Parceria Oriental (EaP), um projeto de colaboração entre a União Europeia e seis países vizinhos (Ucrânia, Moldávia, Bielorrússia, Geórgia, Arménia e Azerbaijão), Moldávia, Ucrânia e Geórgia destacam-se como os mais eurófilos. Nos últimos dez anos, a Moldávia construiu uma relação com a Europa, reorientando o seu comércio e interconexões energéticas. O país inaugurou um gasoduto com a Roménia, tendo uma alternativa ao gás da Rússia. Mesmo quando as lideranças não eram pró-europeias, a sociedade e os negócios floresciam através da relação com a União Europeia.
Portanto, comparando com a Ucrânia, que tem tido uma abordagem semelhante, embora com um conflito híbrido e uma sociedade ainda mais dividida, a Moldávia é dos poucos países ex-soviéticos que conseguiu uma vitória através de eleições democráticas sem revoltas ou grandes protestos. A Bielorrússia, por exemplo, apesar dos protestos que persistem, não tem uma relação similar com a União Europeia, estando muito mais ligada à Rússia. Mas tendo uma população com alto nível educacional e muito potencial que deseja mudança, é inevitável que com o tempo a relação venha a aprofundar-se. Para isso, é fundamental o apoio contínuo da União Europeia a países como a Moldávia, a Ucrânia e a Bielorrússia, que estão mais vulneráveis a influências autoritárias.
Neste sentido, a vitória de Maia Sandu é também um triunfo para a democracia no país, que ainda está em fase de consolidação. Contudo, o caminho para reformas estruturais profundas será complicado, já que ela necessita ter a maioria no Parlamento, pejado de rinocerontes que sucumbiram à doença da corrupção e do conformismo, como as personagens de Eugene Ionescu, na sua peça O Rinoceronte. A peça surreal e absurda, que se poderia desenrolar num qualquer país, retrata a história dos seus cidadãos que começam misteriosamente a sofrer transmutações e, aos poucos – quase todos eles –, transformam-se em rinocerontes. As boas virtudes falham em todas as eras mas felizmente, desta vez, a maior parte da população moldava mostrou-se resistente à doença, como a personagem de Bérenguer, o único que não se transformou num rinoceronte. Talvez a mudança política seja possível e não apenas um sonho antigo de um país esquecido, apenas na memória dos que saíram e não regressaram.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico