Mais vale vacinar do que remediar
Em Portugal, se uma campanha preparada todos os anos atravessa dificuldades, o que esperar de uma que nunca antes foi montada?
O anúncio de que duas vacinas apoiadas por fundos comunitários – a Curevac e a BioNTech – estão na linha da frente para a resposta à covid-19 é uma vitória para a Comissão Europeia e mais uma prova clara da importância do investimento em investigação científica. Pela primeira vez, nestes longos meses de incerteza, há uma saída à vista para esta crise de saúde pública. Temos de estar prontos para a colocar em prática o mais rapidamente possível.
A importância de preparar cuidadosamente, mas sem hesitações, o arranque da vacinação tem sido enfatizada pela Comissão, que pediu aos Estados-membros para terem as suas estratégias de vacinação concluídas até ao final deste mês, e antecipou-lhes até parte do trabalho de casa, divulgando uma série de recomendações. Estas abrangem desde os grupos prioritários a vacinar – tais como maiores de 60 anos, pessoas com sistemas imunitários comprometidos, profissionais de saúde, outros profissionais de setores fundamentais – às redes de distribuição, meios técnicos de armazenamento (nomeadamente de refrigeração) e pessoal qualificado a colocar no terreno.
A Alemanha e a Espanha foram os primeiros Estados-membros a finalizarem os seus planos. Os dois países já anunciaram que estão preparados para arrancar com a vacinação em dezembro. Mas vários outros têm dado conta dos seus progressos. Na Bélgica, por exemplo, foi criada uma task-force específica no aeroporto de Bruxelas que já dispõe neste momento de capacidade para armazenar a frio e redistribuir por toda a Europa grandes quantidades de vacinas.
De Portugal, porém, os sinais que têm chegado são vagos, para não dizer inquietantes. O primeiro-ministro anunciou a aquisição de 16 milhões de doses de vacinas, suficientes para oito milhões de pessoas, mas não está previsto que comecem a ser distribuídas antes de janeiro, nem são conhecidos planos ou compromissos específicos relativos ao armazenamento a frio (que em alguns casos exige temperaturas até -70 graus centígrados) e distribuição desta enorme quantidade de vacinas.
Do governo, a única ação concreta conhecida recentemente foi a criação de uma “comissão técnica” que irá apoiar e acompanhar a implementação da estratégia nacional de vacinação contra a covid-19. Este facto não seria preocupante se estivéssemos convencidos de que, como António Costa anunciou há semanas, já estava a ser preparada essa estratégia, e que o contributo da citada “comissão técnica” passaria pela sua revisão e afinação. Mas o que dizer das informações que nos chegam até das autoridades de saúde?
Ainda nesta segunda-feira, logo após garantir que o plano está há “meses” em preparação, a diretora-geral de Saúde praticamente confessou o seu contrário, dizendo que, e cito, este “desde logo depende de onde venha a vacina”, que esta “há-de chegar ao nosso país de alguma [parte]” e que, “de acordo com a quantidade que chegar em cada momento, com o tipo de vacina e as suas características, haverá um ponto de chegada e depois pontos de distribuição secundários”. É este o nível de prontidão em que nos encontramos?
Não quero ser demasiado dura: todos temos consciência da dimensão do desafio e da importância de fazer as coisas bem. Mas há, repito, sinais inquietantes, como as noticiadas falhas no abastecimento das vacinas da gripe. Se uma campanha preparada todos os anos atravessa dificuldades, o que esperar de uma que nunca antes foi montada? Há que arrepiar caminho! O tempo perdido, nesta equação, resulta em mais danos para a economia e, acima de tudo, em mais vidas perdidas.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico