Expectativas da Europa pelo presidente Joe Biden
A futura Administração permitirá aos EUA renovar compromissos abandonados, abordar os seus aliados ocidentais como verdadeiros parceiros e amigos e redescobrir uma política externa menos melodramática e mais racional.
Joe Biden será o próximo Presidente dos EUA, mas os líderes europeus apesar de aliviados estão iludidos se esperam que se vai voltar a uma normalidade pré-Trump. Apesar de todas as suas diferenças, os seus programas de candidatura também têm alguns elementos em comum.
O retorno ao passado estará condicionado pelas seguintes razões: Biden vai dar prioridade ao combate à pandemia, à pacificação interna, recuperação da economia e credibilização das instituições que foram afectadas; o Senado estará controlado pela maioria republicana; a acção do Partido Democrata vai estar limitada pela recomposição do Supremo Tribunal (efectuada por Trump).
Todavia, Biden propõe-se a restabelecer a “liderança americana” no mundo revertendo o unilateralismo da Administração Trump e apostando de novo na diplomacia, em alianças internacionais e nas instituições globais.
Parte da política internacional poderá, portanto, ser revertida em relação à ligação à Europa e Aliados, bem como a adesão às questões ambientais.
Embora muitos celebrem a restauração da dignidade e da normalidade na política americana, devemos ter em mente que os EUA passaram por um dos períodos mais difíceis da história, que ainda não terminou. O país esteve prestes a tornar-se numa democracia (?) iliberal.
O fluxo de mensagens de felicitações dos líderes europeus mostrou a Joe Biden quanto profundo foi o alívio e quanto sincera foi a alegria pela escolha dos norte-americanos. “Amizade”, “união” e “parceria” são palavras que voltaram a ser utilizadas e que sempre marcaram a relação entre a Europa e os EUA. Também revelaram esperança e grandes expectativas de que a cooperação UE-EUA possa retomar.
Com a eleição de Biden será possível trabalhar no reforço das relações transatlânticas e na gestão dos assuntos globais, como as alterações climáticas, a defesa da democracia e a segurança internacional.
Trump criou um fosso entre os EUA como líder da NATO e os restantes Estados-membros. O ainda Presidente dos EUA tornou claro, muito cedo no seu mandato, que a Aliança Atlântica tinha deixado de ter uma importância central para Washington, uma vez que o centro de gravidade do poder se tinha desviado para o Pacífico.
E o elemento normativo aglutinador – os valores liberais comuns – eram despiciendos no seu pensamento político. O artigo 5.º ficou em causa pela primeira vez desde 1949.
Os EUA, o produtor de ordem no Ocidente, retiram-se da liderança regional e global. Numa primeira fase, a China tentou ocupar o lugar norte-americano na liderança internacional da crise pandémica que vivemos. Contudo, a fraqueza relativa de Pequim e a forma como geriu a pandemia levou ao efeito de afastamento de muitos Estados, principalmente democráticos, quer na esfera europeia quer na asiática.
Em relação à política externa, Joe Biden vai reaproximar os EUA da Europa, que sob o ponto de vista estratégico - no actual sistema internacional - está numa posição de grande fragilidade, que a pandemia veio evidenciar.
A Europa é a parte do mundo que tem razões para estar mais feliz com o resultado desta eleição. Trump conseguiu criar uma enorme clivagem face à UE – com alguma animosidade e promovendo o “Brexit” -, criando na relação transatlântica inúmeras dificuldades. A visão de Biden é muito mais atlanticista de valorização das alianças permanentes. No entanto, irá manter a relação de confrontação com a China, estando alinhado com Trump que provocou um despertar da consciência de que a China constitui uma ameaça estratégica para os EUA como para a Europa.
Neste caso, embora venhamos a ter algumas variantes não irrelevantes na abordagem de Biden em relação a Trump, a questão de fundo permanece: há uma guerra de transição de poderes EUA-China. Essa guerra de transição ou uma nova Guerra Fria veio para ficar. Não haverá uma diferença significativa de Biden (face a Trump) nos grandes assuntos -que dividem os dois países - como Taiwan, Hong Kong, o mar do sul da China, Xinjang, Tibete e os direitos humanos.
Neste sentido, há um amplo consenso nos EUA – bipartidário e na própria opinião pública - de que a ascensão da China é um grande problema de segurança para a América. Isso veio para ficar. Com este presidente, ou com outro, vai ser um desafio de longa duração. É uma relação que será necessariamente conflitual – a guerra comercial e a guerra em torno da tecnologia do 5G.
Biden, que não é isolacionista, defende como a UE, que um grande bloco do mundo livre poderá obrigar a China a ter políticas de reciprocidade que ainda não tem. E a UE não pode continuar a relacionar-se na política internacional como antes do regresso da competição entre as grandes potências. Neste âmbito, alterou-se o paradigma de “a China parceiro estratégico, competidor económico e rival sistémico” para parceiro de negociação. É o momento da Europa liderar.
Por outro lado, Biden também reforçará as relações com o Japão e com a Coreia do Sul. E não deverá seguir o apaziguamento de Trump nas relações com a Rússia. Acresce, que a pressão das sanções dirigidas ao Irão vai prosseguir com Joe Biden, mesmo que o Presidente eleito tenha admitido o eventual regresso de Washington ao acordo nuclear com Teerão. A visão de Biden é ainda muito mais assente no multilateralismo e vai fazer disso o vector da estratégia mundial dos EUA, incluindo na relação com outros Estados e também com organizações internacionais e, em especial, da nova linguagem para com a ONU.
Embora a futura Administração de Biden não resolva todos os problemas que vai herdar, permitirá aos EUA renovar compromissos abandonados, abordar os seus aliados ocidentais como verdadeiros parceiros e amigos e redescobrir uma política externa menos melodramática e mais racional. A reeleição de Trump, por outro lado, ampliaria a ruptura entre os EUA e a UE e provavelmente até infligiria danos irreversíveis à cooperação internacional.
O mundo terá sempre de gerir uma realidade simples e imutável da melhor maneira possível: nenhum país, por mais importante que seja, pode enfrentar isoladamente os desafios globais.