Será desejável um país sem investigação sobre o seu passado?
A propósito dos resultados do concurso de projetos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia na área de História e Arqueologia. Num total de 142 projetos submetidos a avaliação, foram aprovados oito para financiamento.
Foi com algum espanto que tomámos conhecimento dos resultados do último concurso de projetos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), ao qual nenhum de nós foi concorrente, na área científica da História e Arqueologia. Não falamos em defesa de causa própria. Move-nos, simplesmente, o interesse em afirmar a dignidade académica e científica de uma disciplina que cultivamos e que sai profundamente abalada com os resultados agora tornados públicos.
Os dados são claros e inequívocos. Num total de 142 projetos submetidos a avaliação, foram aprovados oito para financiamento. O número reduzido de projetos aprovados para financiamento é um problema comum a todas as áreas do concurso, conforme tem vindo a ser referido a alertado por diversos membros da comunidade científica.
Todavia, não é apenas o baixo número de projetos com financiamento proposto nesta área que nos preocupa. Com efeito, a leitura dos títulos dos oito projetos aprovados faz ressaltar a prevalência de domínios historiográficos (arqueologia, história antiga e medieval, ciência e tecnologia aplicadas ao estudo do património histórico) que não têm correspondência alguma com a dinâmica de pesquisa nas principais unidades de investigação e departamentos de História das universidades portuguesas.
É incompreensível que não tivesse sido proposto para financiamento nenhum projeto na área da História Moderna e somente um no âmbito da História Contemporânea, não se valorizando ainda campos consagrados como são os da história política, social, económica e cultural, ou da história das instituições e dos impérios, para citarmos apenas os casos mais óbvios de exclusão.
Esta constatação é agravada pelo facto de que, na listagem de projetos não propostos, ou nem sequer elegíveis para financiamento, todas as áreas acima referidas se encontram razoavelmente cobertas com candidaturas apresentadas, algumas delas subscritas por investigadores responsáveis com amplas provas de reconhecimento académico, quer em unidades de I&D, em Portugal e no estrangeiro, quer nos departamentos de História das universidades portuguesas. Aliás, é confrangedor verificar que não há docentes do ensino superior em História que tenham visto propostas aprovadas para financiamento, o que, evidentemente, é um terrível sinal que decorre destes resultados.
A consulta da lista dos 13 membros do painel de avaliação retirou-nos qualquer razão de espanto ou motivo para pensar que a decisão poderia ter sido muito diferente. A presença maioritária de especialistas em arqueologia (4), numismática e história antiga (2) e filologia antiga (2), demonstra bem a impossibilidade de o júri cumprir a função que lhe era exigida: avaliar com competência e imparcialidade as candidaturas submetidas a concurso. Acresce que as/os historiadoras/es que integraram o painel não são bons conhecedores de História de Portugal, aspeto que não deveria deixar de ser ponderado na constituição de um painel de avaliação nesta área.
Não está de modo algum em causa a competência específica dos membros do painel nos nichos historiográficos que representam. Nem a qualidade dos projetos que foram alvo da sua escolha. O que se questiona é a objetividade de um processo de avaliação que produz efeitos danosos e altamente desprestigiantes para as universidades e a comunidade historiográfica nacional, em vez de estimular o desenvolvimento de projetos científicos qualificados.
Já endereçámos uma mensagem à senhora presidente da FCT, que, gentilmente, respondeu dando conta de que as nossas preocupações não deixariam de ser ponderadas no interior da instituição. Não obstante, e perante o ambiente instalado entre a comunidade historiográfica, cremos ser útil alertar a sociedade em geral para os riscos que corremos se, no futuro, forem perpetuados processos de avaliação que conduzam a resultados deste teor. E por isso perguntamos: será desejável um país sem investigação sobre épocas cruciais do seu passado?
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico