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Está na hora de assumir que a Ciência precisa de financiamento a sério e que não é num modelo que entrega migalhas de concurso em concurso que vai criar robustez e dignidade ao setor e ao trabalho dos seus profissionais.

A semana passada, foram conhecidos os resultados de mais um Concurso de Projetos IC&DT em todos os domínios científicos. Os resultados gerais não podiam ser mais desanimadores. 5% de aprovação é ainda pior do que o anterior, que se situou nos 8%. Está na hora de assumir que a Ciência precisa de financiamento a sério e que não é num modelo que entrega migalhas de concurso em concurso que vai criar robustez e dignidade ao setor e ao trabalho dos seus profissionais.

“As candidaturas decorreram de 30 de janeiro a 30 de abril deste ano. Foram submetidas 5847 candidaturas ao concurso e um total de 3317 candidaturas foram consideradas elegíveis, em conformidade com os termos do aviso de abertura de concurso. A taxa de sucesso do concurso foi, assim, de 9,4% das candidaturas elegíveis” é o resumo que pode ser consultado no site da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (F.C.T. IP). Será que estas percentagens correspondem à realidade?

A manobra de marketing da FCT é a alegada taxa de sucesso de 9,4%. Para a FCT chegar a este número, teve de assumir que uma grande parte das candidaturas não foi considerada elegível. Para sustentar este facto, informam que aquelas que obtiveram uma nota inferior a 7 valores (numa escala de 0 a 9) ficam de fora. Ou seja, a FCT teve de as avaliar para, de seguida, retirá-las do universo total de candidaturas. Fê-lo de forma a garantir que a escolha dessa linha vermelha – os tais 7 pontos – não envergonhasse uma taxa de aprovação miserável. Assim, dos reais 5,3% de aprovação, passamos para os anunciados 9,4%.

O truque contabilístico não apresenta qualquer fundamento teórico nem científico. Estamos perante uma mera instrumentalização dos números. Escolhe-se uma variável de acordo com a percentagem pretendida. Se a linha vermelha tivesse sido fixada, por exemplo, nos 8%, teríamos ainda mais projetos “não elegíveis”, porém com uma taxa de aprovação muito mais alta. A verdade dos factos é apenas uma: há hoje uma massa crítica sustentada e com trabalho realizado na área da Investigação em Portugal que não conhece reconhecimento neste modelo de financiamento. 95% dos projetos ficaram sem financiamento, apesar de uma boa parte deles avaliados como notas perto do patamar máximo.

Os investigadores preparam esta candidatura (mais uma) no meio da pandemia e, especificamente, no período de confinamento a que estivemos todos sujeitos no início deste ano. Se as inúmeras candidaturas e avaliações a que esta classe profissional está constantemente sujeita já representam um fardo e uma ocupação de tempo absurdo, esta call foi particularmente difícil. São prova disso a dificuldade na obtenção da documentação necessária com os serviços em teletrabalho e a adaptação dos investigadores ao novo tempo, investidos em reajustar o seu trabalho aos novos desafios da covid-19.

Quando a malha é curta a este ponto (95% de exclusão), não há transparência nem equidade que sobreviva. Há áreas científicas sem qualquer tipo de projetos financiados neste concurso e outras tantas subáreas, anteriormente financiadas e avaliadas com notas de excelência e, hoje, excluídas. Não é aplicando a política do funil que se garante o famigerado mérito e qualidade de excelência. Com isto, só se promove a emigração forçada e a fuga de investigadores para outras áreas profissionais. Já imaginamos a resposta do ministro Manuel Heitor: “Candidatem-se ao próximo”, dirá. Não são precisos uns binóculos para ver o significado destes resultados e desta estratégia. Até espreitando pelo buraco do funil se avista a asneira.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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