Sobre o Chega e André Ventura: lições da América
Como se viu com Trump, dizer, simplesmente, que se está contra André Ventura, ou contra o Chega, conta pouco. O que é preciso é que o combate a esse discurso se faça com urgência com o retorno ao político, com razões e sem tréguas, desfazendo-o e pondo a nu a toda a sua debilidade e indecência.
Joe Biden é o próximo Presidente dos Estados Unidos da América. Para Donald Trump, ex-estrela de televisão, the show must go on, independentemente da verdade dos votos que se contaram, e o seu triste espectáculo só há-de terminar, parece, quando for arrastado da Casa Branca pelos braços da Justiça, ou restando-lhe um pingo de sensatez, concedendo a derrota e escolhendo sair pelo seu próprio pé.
Sobre a incompetência da sua presidência, já foram feitas todas as análises. Por isso, ou melhor, apesar disso, quando se olha para este mapa e para a extensão da mancha vermelha do voto em Trump, não há tranquilidade que nos valha. Sai Trump, mas o trumpismo fica; sai Trump, mas ficou demonstrada a disponibilidade de quase 70 milhões de eleitores para serem condescendentes com atropelos à democracia e no apoio a propostas de governo entre o superficial, o inaplicável e o bizarro.
Numa entrevista feita há dias por Pedro Rios a Anne Applebaum, a historiadora e jornalista americana vaticinava que o impacto político da derrota de Trump será capaz de enfraquecer muitos líderes de extrema-direita na Europa. Não me parece que com Biden se consiga varrer de uma penada essa “espécie de internacional populista”. As causas da desilusão de tantos, na América do Norte e do Sul e pela Europa fora e que alimentam esse movimento, não desapareceram. Há, ainda, uma pandemia que não se sabe quando e como vai ser controlada e o que se lhe vai seguir: estagnação e crise económica, falências, desemprego e a eterna desigualdade que nunca se resolve.
Por cá, André Ventura é candidato à presidência. Não há dúvida sobre quem será o próximo Presidente da República, mas há sobre o número de eleitores que votarão no candidato do Chega, e em que lugares ficarão as candidaturas de esquerda e a dos liberais. Quando Trump apresentou a sua candidatura em 2015, era uma anedota e das fracas. Ao contrário de Trump, que nunca se importou que o comparassem a uma personagem de circo, Ventura quer as vestes de político sério. Ao contrário de Trump, e do que vende na praça pública, Ventura nunca foi um outsider da política. Está há muitos anos completamente dentro dela e é muito mais inteligente do que Trump.
Ao mesmo tempo, o Chega soma e segue. Nas eleições dos Açores de 25 de Outubro, conseguiu eleger dois deputados. O PSD, para conseguir pôr a funcionar uma geringonça que o levasse a governar, pela via de uma maioria parlamentar, precisava dessas duas peças. Primeiro, o Chega rejeitou qualquer acordo, justificando-o pelos “valores e convicções” do partido: “ou aceitam ceder e juntar-se a nós nestas convicções ou nós não aceitamos vender-nos por lugares”, afirmou André Ventura. Antes, José Manuel Bolieiro, vice-presidente de Rui Rio na direcção nacional do PSD e líder do PSD-Açores, assegurava que atitudes extremistas e populistas não o comoviam, nem interessavam aos açorianos. A verdade é que, em três tempos, PSD e Chega já estavam entendidos. Para tal, o Chega terá recuado na pretensão de que o PSD participasse no seu projecto de revisão constitucional, aquele em que André Ventura, sem nenhum pudor, propõe a castração química e a prisão perpétua. José Manuel Bolieiro foi, entretanto, indigitado presidente do Governo Regional dos Açores.
Como se viu com Trump, dizer, simplesmente, que se está contra André Ventura, ou contra o Chega, conta pouco. Repetir, simplesmente, que o discurso é racista, xenófobo, misógino, fascista, de extrema-direita e esperar que com essa mão cheia de palavras fortes se dissuadam potenciais eleitores, conta menos ainda. O que é preciso é que o combate a esse discurso se faça com urgência com o retorno ao político, com razões e sem tréguas, desfazendo-o e pondo a nu a toda a sua debilidade e indecência.