O aumento do salário mínimo em tempo de pandemia covid-19

A imposição forçada pelo Governo de aumentar agora o salário mínimo e as prestações sociais são medidas destrutivas e sem sentido económico e financeiro.

Segundo as mais recentes previsões (de Outubro de 2020), o Fundo Monetário Internacional (FMI) antevê que o Produto Interno Bruto (PIB) Português registe este ano (2020) uma contração de 10%. Será, como tudo indica, a maior quebra da economia Portuguesa desde o início do século XX; será mais acentuada do que a contração que se verificou em 1928, quando o PIB se reduziu em 9,7%, e do que a de 1936, quando o PIB encolheu 9,1%, por causa da guerra civil de Espanha. A enormidade da quebra de 2020 relativiza as crises mais recentes de 1975, 1983 e 2012, quando se conhecem bem as consequências dramáticas que estas tiveram na sociedade Portuguesa e a devastação que provocaram no tecido económico nacional (ver gráfico seguinte).

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Tem-se discutido muito sobre qual a reação da economia no período pós-covid. Há quem afirme que a recuperação será forte e rápida e há quem afirme o contrário, que será progressiva e lenta. Dada a ignorância geral da situação inédita que agora se vive, não se pode senão classificar ambos os prognósticos como especulações sem fundamento.

Há, no entanto, dados que devem ser devidamente considerados na tentativa de fazer planos e tomar decisões, ainda que muito frágeis.

No estudo de 2020 “Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu”, de Sergio Correia, Stephen Luck e Emil Verner, os autores, que estudaram a Gripe Espanhola de 1918-1919, mostram que as recessões económicas provocadas pelas pandemias são diferentes das recessões resultantes dos ciclos económicos. As perturbações que se seguiram à pandemia de 1918-1919 reduziram muito a capacidade produtiva das empresas, mas a diminuição do emprego, que também ocorreu então, originou que as pessoas perdessem poder de compra. Por outras palavras, as pandemias criam simultaneamente crises do lado da oferta e crises do lado da procura e ambas juntas provocam danos brutais que, por sua vez, causam grandes prejuízos no sistema financeiro.

Os autores concluem ainda que a severidade do impacto económico da crise pandémica de 1918-1919 se prolongou por vários anos a seguir à última vaga da gripe.

Embora os anos antes da pandemia da covid-19 tenham sido razoavelmente bons para a economia Portuguesa, tanto esta como a economia Mundial já estavam a perder gás em 2019, naquela que foi uma extraordinariamente longa recuperação económica. Mas os conflitos abertos no comércio internacional entre a China e os Estados Unidos, o problema criado por um “Brexit” muito desordenado e, sobretudo, a mais profunda e rápida alteração tecnológica desde a Revolução Industrial do século XIX, com o aparecimento da infraestrutura digital, que põe em causa praticamente tudo, colocam grandes interrogações às empresas e aos governos. Isto explica, por um lado, o declínio de grandes empresas outrora dominantes e, por outro, a redução acentuada do investimento tangível empresarial e dos empregos de longo prazo, quando as empresas em muitos setores da atividade económica não sabem como vai evoluir o seu modelo de negócio e a própria configuração que o mesmo possa ter no futuro. Tudo isto concorre para que se esteja a viver um período de compasso de espera, que se traduz num crescimento económico baixo e lento da procura interna, a que os macroeconomistas chamam de ‘secular staganation’.  

Os sintomas mais salientes da atual crise pandémica, sobretudo quando combinada com as dúvidas provocadas pelas grandes mudanças tecnológicas em curso, são: o de ser excecionalmente profunda, de atingir ao mesmo tempo a oferta (a produção) e a procura (consumo de bens duradouros e investimento privado), de durar mais de um ano, e de ter uma recuperação lenta.

A confirmar a lentidão da recuperação estão, segundo o FMI, a Espanha, a França, a Alemanha e o Reino Unido, que apenas devem atingir em 2023 o PIB que tinham antes da pandemia, e a Itália, que apenas deve atingir esse nível em 2024. É muito pouco provável que Portugal consiga faze-lo antes dos seus principais parceiros comerciais. Ou seja: afirmar, em Outubro de 2020, que Portugal recupera depressa é um juízo temerário.

Acresce que Portugal é, como a Espanha, a Grécia e a Itália, um dos países mais afetados pela crise pandémica, devido à estrutura da sua ‘economia de contato’, com uma parcela significativa do PIB e do emprego nos setores do turismo, hotelaria, restauração e construção civil (ver gráficos seguintes).

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Segundo o estudo acima citado, foram precisamente as economias que, pela sua constituição, ficaram mais expostas à pandemia, as que mais sofreram e as que mais demoraram a recuperar.

As estimativas revistas em Outubro de 2020 pelo FMI para o PIB Português confirmam isso mesmo. Logo a seguir à Espanha e à Itália, que se estima tenham quebras do PIB real de 12,8% e 10,5%, respectivamente, vem Portugal, com uma quebra de 10%. As outras ‘economias de contato’ sofrem bastante, mas ligeiramente menos, com o PIB da Grécia a cair 9,5%, da Croácia 9% e de Chipre 6,4% (ver tabela).

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Ora, é neste contexto de profunda crise e incomensurável incerteza que o Governo Português pretende vir impôr, por ato legislativo, o aumento do salário mínimo em 2021. Nos termos do art.º 59.º da Constituição da República Portuguesa, sobre os direitos dos trabalhadores, estabelece-se que incumbe ao Estado o estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional, tendo em conta diversos fatores, como as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento.

De seguida, debruçamo-nos sobre estes fatores, tomando por comparação os países Europeus mais vulneráveis aos efeitos da crise pandémica, precisamente por estes terem, como Portugal, uma forte componente de ‘economia de contato’.

O custo do aumento de vida

Nos últimos cinco anos (2015-2019), a taxa de inflação média, medida pelo Indice de Preços do Consumidor (IPC), foi de -0,12% em Chipre, de 0,26% na Grécia, 0,62% na Itália, 0,74% na Espanha e 0,84% em Portugal (dados do FMI). Usando técnicas econométricas é possível concluir, após isolar os efeitos do ciclo económico, que a maior taxa de inflação portuguesa se deveu em parte ao ritmo de crescimento dos salários ter sido em Portugal mais elevado do que nos demais países. Isto é: em Portugal, não tem havido perda de poder de compra por parte dos salários.

Em 2020, a taxa de inflação prevista para os mesmos países é de -0,6% em Chipre e na Grécia, -0,2% em Espanha, 0% em Portugal, 0,1% na Itália e 0,3% na Croácia (dados do FMI na tabela a seguir).

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Em suma: os salários subiram mais em Portugal nos últimos anos do que noutros países Europeus com estruturas económicas semelhantes e este aumento constituiu um fator de inflação superior no nosso país. Neste momento, a taxa de inflação não pode servir de argumento para aumentar o salário mínimo, como forma de defender o poder de compra do trabalho assalariado contra o aumento do custo de vida.

As exigências da estabilidade económica e financeira

O Estado Português tem uma das maiores dívidas da Europa. Os progressos feitos de 2015 a 2019 – conseguidos com uma gestão financeira rigorosa, mas também com muito pouco investimento público e um agravamento do conjunto de impostos, taxas, coimas e custos com serviços prestados pelo Estado e por empresas públicas – foram completamente revertidos com o súbito aumento da dívida pública em 2020.

Segundo o FMI, a dívida líquida do Estado Português sobe para 130,3% do PIB em 2020, apenas inferior às da Itália e da Grécia. Mais grave é o aumento verificado entre 2019 e 2020, que em Portugal é de 18.9%. Embora seja um aumento menor do que o verificado em Itália (25,8%), em Espanha (25,6%), Reino Unido (22,7%) e França (20,6%), o ponto a salientar é que, de todos os países, apenas a Itália, Grécia e Portugal partem em 2019 com uma dívida pública que já era superior a 110% do PIB. Ou seja, estes três países, que já tinham uma situação financeira frágil antes da pandemia, pioraram muito mais com a pandemia. Ficaram, por isso, muito expostos aos sentimentos adversos dos mercados de capitais, momento que pode tardar, mas que vai decerto acontecer.

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A situação financeira do setor privado em Portugal é também muito difícil. Em 2018, os últimos dados do FMI indicavam que a dívida privada era de 249% do PIB, enquanto a dívida das empresas não financeiras era de 99,5% do PIB. Dívida que se tem reduzido, devido à melhor rentabilidade bruta do ativo, medida pelo rácio entre o EBITDA e o ativo. No entanto, convém frisar que o EBITDA não inclui os investimentos em capital tangível e em capital circulante, ambos necessários para garantir quer a normal continuidade, quer o crescimento do negócio. Não há registos para 2020, mas todas as indicações apontam para uma deterioração muito acentuada das finanças das empresas este ano.

O que é notório é que a dívida total de toda a economia – Estado, empresas públicas, empresas privadas e famílias –, que já era muitíssimo elevada antes da pandemia da covid-19, se reduziu muito lentamente entre 2015 e 2019, tendo-se depois agravado muito rapidamente em 2020.

O eterno drama português do sobre-endividamento, que acaba sempre por deixar chagas profundas na sociedade e na economia portuguesas, não pode deixar de merecer o maior cuidado por parte de governantes responsáveis, que devem zelar pelo interesse de todos os portugueses, e qualquer ato perdulário é inadmissivel e deve ser considerado imperdoável. Os desmandos de 2009 e 2010 não podem nunca mais ser esquecidos.

A fragilidade financeira é, por sua vez, um fator impeditivo da estabilidade e do desenvolvimento económicos nacionais. Uma economia muito endividada não tem dinheiro para se modernizar, não investe para manter e repor capital, não aposta suficientemente em investigação e desenvolvimento, não tem orçamento para comunicação e marketing, nem para formação profissional, nem pode pagar bons salários. A composição do seu financiamento é distorcida e dominada pelo garrote da dívida. Esta, predominantemente devida aos bancos, tem prioridade sobre as dívidas a fornecedores que, assim, sofrem de estrangulamentos sistemáticos, criando uma circularidade perversa.

No período que se vive, em que a larga maioria das empresas regista uma acentuada redução da sua atividade e de receitas, quando muitas enfrentam autênticos perigos existenciais, é fundamental que o Governo não ordene que se onerem com quaisquer tipos de encargos que possam comprometer o seu futuro. A imposição forçada pelo Governo de aumentar agora o salário mínimo e as prestações sociais são medidas destrutivas e sem sentido económico e financeiro.

As necessidades dos trabalhadores

Na crise atual, a mais importante prioridade de qualquer trabalhador é a manutenção do seu emprego. Numa altura em que a redução de horas trabalhadas é significativamente maior do que o aumento das horas produtivas, numa altura em que a quebra da produtividade do trabalho desacelerou muitíssimo, o risco de os aumentos salariais e das prestações sociais impostas pelo Governo desencadearem perda de emprego é inevitável. Pode o Governo camuflar o aumento do desemprego mediante o uso de subterfúgios e de esquemas que são do conhecimento geral, mas os artifícios têm dois efeitos perversos: para os ex-empregados, tal traduz-se na destruição de capital humano, de competências profissionais, que depois contribuem para o desemprego de longo prazo e, em muitos casos, para problemas do foro psicológico. Para as empresas, isso significa incentivar a economia informal e, nos casos mais dramáticos, o próprio fecho da atividade e a falência.

Antes da pandemia da covid-19, a taxa total de emprego em Portugal era de 70,5% de toda a população com idade legal de trabalhar. Importa, antes de mais, realçar que ter um trabalho é uma condição sine qua non para fugir à miséria, embora por vezes não seja, por si só, uma condição suficiente para evitar a pobreza, sobretudo no caso de mães solteiras, jovens, doentes e famílias numerosas. Por isso, é muito importante que não se ponha em risco a destruição de emprego. Já basta o que as crises destroem por si. Políticas contrárias à criação de emprego têm sido seguidas na Grécia, em Itália e na Espanha, onde, como o gráfico seguinte claramente mostra, a taxa de participação no mercado de trabalho é significativamente menor do que em Portugal, o que fomenta o sub-emprego e o emprego informal nestes países.

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Em resumo: o Governo, ao forçar o aumento do salário mínimo agora, comete um ato lesivo das necessidades dos trabalhadores, ao violar a legítima aspiração mais básica destes, que é a segurança do posto de trabalho.

A desigualdade social

Embora persista a controvérsia sobre o impacto que o salário mínimo tem no emprego, existe um consenso crescente que atribui ao salário mínimo um papel na redução da desigualdade. Mas se o argumento mais comum para a subida do salário mínimo é que este reduz a desigualdade social e atenua as dificuldades materiais dos trabalhadores pobres, também não é impossível ignorar que a subida do salário mínimo possa deixar de fora do mercado de trabalho alguns trabalhadores, e mais ainda nos períodos de recessão, em que a procura de trabalho não satisfaz o excesso da oferta. Ou seja: os governos têm a responsabilidade de escolher entre ter menos desigualdade e menos desemprego. Só ponderando esta escolha podem fazer justiça social; ignorá-la, significa governarem sem incorporar verdadeiramente o sentimento e o interesse gerais. 

A desigualdade social em Portugal (medida pelo índice de Gini) era em 2018 de 0.32, semelhante à de sociedades com uma estrutura económica semelhante – com PMEs, com nível aproximado de educação da mão-de-obra, e com um amplo setor de ‘economia de contato’  como a Espanha, a Itália e a Grécia (ver figura seguinte da OCDE).

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A pobreza em Portugal atinge muitas pessoas. Segundo dados de fontes diversas, como os do gráfico seguinte, com origem no Banco Mundial, em 2018, a pobreza em Portugal era de 10% da população, inferior à de Espanha, Itália e Grécia. Decerto que o PIB per capita não é igual em todos estes países, mas não basta aferir a pobreza em relaçāo ao PIB per capita, pois há também grandes diferenças de paridade de poder de compra (isto é, custo de vida) entre países. Presumir que se socorre a pobreza com aumentos salariais, numa recessão, é mais uma intenção de que o inferno está cheio.

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O que dizem os estudos sobre o impato do salário mínimo na desigualdade e na justiça social?

A pergunta que o Governo tem a obrigação de fazer sobre o salário mínimo, num período de recessão, quando a maioria dos trabalhadores enfrenta perda de salários reais – sejam estes medidos pelas horas trabalhadas, pelos dias de trabalho, ou até pelo desemprego parcial e pela flexibilidade salarial, que se pode determinar de muitas formas –, tem sido estudada por economistas. Uma vez que qualquer das escolhas é má, qual delas é a menos má? A que deixa o salário mínimo descer para ajustar o preço do emprego indiferenciado, evitando assim a redução da quantidade de emprego indiferenciado, ou a que mantém o nível do salário mínimo, para reduzir a desigualdade, e neste caso quais as consequências para o nível do emprego?

Foi esta questão que analisaram Peter Dolton, Chiara Rosazza Bondibene, Fabiano Schivardi e Johannes Spinnewijn, no estudo “The international experience of minimum wages in an economic downturn”, publicado em 2012. 

Olhando para períodos de recessão em 33 países da OCDE e da Europa, entre 1971 e 2009, a conclusão a que chegaram os autores é que o aumento do salário mínimo tem efeitos negativos no emprego, mais ainda durante as recessões e, principalmente, no desemprego jovem. Isto é, o aumento do salário mínimo pode reduzir desigualdades para os que já estão empregados, mas fá-lo à custa de maior desemprego – destruindo emprego existente e impedindo emprego novo , sobretudo entre os jovens. 

Para identificar rigorosamente o potencial impacto do SMN no emprego, os autores tiveram de neutralizar os fatores institucionais, a cor política dos governos e o seu comprometimento com o SMN, e ainda como a própria taxa de emprego pode influenciar o SMN. Naturalmente que um governo mais de esquerda é mais propenso a aumentar o SMN, por isso, se essa característica não for devidamente tratada na amostra estatística, os resultados que o aumento do SMN possa ter no emprego ficam enviesados.

As principais conclusões deste estudo são: primeiro, aumentos do SMN têm consequências negativas no emprego em todas as faixas etárias, mas aquelas são muito mais pronunciadas entre os jovens. Em resultado disso, os jovens atrasam a sua entrada no mercado de trabalho, sentem mais dificuldades em arranjar emprego, ou acabam por encontrar empregos de nível inferior às suas qualificações. Este último caso é um verdadeiro drama para a juventude Portuguesa, a mais sobre-qualificada de todos os países da OCDE. Os jovens em Portugal vivem abaixo das suas possibilidades e más políticas governamentais são as principais responsáveis pelo seu infortúnio.

Segundo, o efeito negativo de aumentos do SMN é particularmente grave durante os períodos de recessões. Para os jovens, em particular, esse efeito é, em média, 40% mais grave numa recessão do que num período de crescimento económico médio.

Note-se que os resultados deste estudo, que envolve 39 anos, de 1971 a 2009, não incluem aquela que foi a grande recessão de 2010-2013 na Europa e que ultrapassou de longe as piores quebras de crescimento no período de tempo analisado pelos autores. Pior: a quebra provocada pela crise pandémica atual ainda é mais profunda do que a da grande recessão de 2010-2013. Donde, os resultados do estudo deveriam ser bem piores se incluissem estas duas últimas recessões.

De acordo com o estudo, o que o Governo está a fomentar, ao impor agora o aumento do SMN, símbolo inequívoco da escala salarial, é a maior desigualdade entre os jovens em idade de trabalhar e os mais velhos, como também entre os desempregados e os que tiveram a sorte de manter o seu trabalho, entre os que têm emprego frágil e os instalados, e entre os trabalhadores do setor privado, sujeitos à pressão dos mercados e os funcionários públicos, intocáveis no seu posto.

Tudo isto vai ao arrepio da proteção dos mais vulneráveis, em particular negando aos jovens a possibilidade de terem uma vida independente. Quando se deixa deliberadamente de fora pessoas e se priva as mesmas de uma vida digna, está-se a negar a justiça social.

Salários mínimos em 2021 noutros países

Espanha: No final de Janeiro de 2020, o Governo Espanhol, resultante da coligação entre o PSOE e o Podemos, anunciou que o salário mínimo interprofissional (SMI) seria aumentado em 31,66 euros ao dia para 950 euros ao mês. Por causa da pandemia, recentemente, o Governo decidiu cancelar os aumentos do SMI em 2021, tendo mesmo referido que enquanto durar a pandemia nem aumento de SMI nem de impostos para as empresas.

Itália: Não tem salário mínimo. No período pré-covid, houve conversações entre representantes politicos e sociais acerca da possibilidade de se instituir um salário mínimo. Contudo, a pandemia mudou o grande foco das negociações que passou a ser unicamente sobre o congelamento do desemprego e o estabelecimento de um rendimento mínimo atribuído pela segurança social aos desempregados. 

Grécia: Em Fevereiro de 2020, o Parlamento Grego aceitou discutir o aumento do salário mínimo para 2020 e 2021, depois de anos de cortes muito acentuados desde a crise financeira de 2010-2014. Contudo, mais recentemente, a moderação salarial, que inclui certos cortes, tem prevalecido no mercado laboral Grego durante a pandemia. A opção estratégica de ‘depreciação salarial interna’ para reduzir os custos do fator trabalho tem sido acompanhada de medidas para flexibilizar o emprego e criar um banco de horas. 

França: O salário mínimo (SMIC) aumentou em 2020, mas em 2021 deve permanecer o mesmo, uma vez que o Governo não anunciou aumentos.

Reino Unido: O Governo Britânico, após consulta da Low Pay Commission, já anunciou que o salário mínimo se manterá congelado em 2021, alegando a travagem brutal da economia devido à pandemia do coronavírus.

Alemanha: Com uma taxa de desemprego estimada em 2020 apenas de 4,2%, muito mais baixa do que a média da União Europeia, e uma economia com sinais de recuperação no segmento industrial, a Comissão Alemã de Salário Mínimo decidiu aumentar o salário mínimo em quatro etapas graduais para o período de 18 meses entre Janeiro de 2021 e Junho de 2022.

Irlanda: Com um taxa de desemprego que se estima aumentar de 5% em 2019 para 5,6% em 2020, o Governo Irlandês propõe aumentar o salário mínimo em 2021 em menos de 1%.

Escrutínio e reputação internacionais

O aumento do salário mínimo tem um problema de reputação adicional. Mais despesa pública, com aumentos salariais dos empregados públicos, origina automaticamente mais défice e isso vai dar mais uma oportunidade aos países da União Europeia para censurar a gestão pródiga dos dinheiros públicos por parte de governos de alguns Estados da União Europeia, com dívidas públicas muito elevadas. Holanda, Suécia, Áustria e Finlândia criaram muitas dificuldades nas recentes negociações que levaram ao acordo para financiar o Plano de Reconstrução Europeia. O ponto de vista destes países é que dinheiro Europeu usado para financiar défices de países como a Itália, a Espanha e Portugal é “bom dinheiro deitado a mau dinheiro”. Por isso, o esforço e o rigor na gestão financeira levada a cabo pelo ministro das Finanças Mário Centeno foi muito apreciado e reconhecido internacionalmente. A opção de carregar nesta altura as finanças públicas com aumentos de salários quando o Estado tem muito pouca receita e os funcionários públicos mantêm os seus postos intatos constitui uma ousada falta de frugalidade. Decerto que a estes países não lhes escapa a medida despesista em tempo de penúria.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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