“Fratelli Tutti” interpela a Educação
O Papa Francisco reafirma a base fundamental da Educação como atividade essencial de conhecimento, de troca, de interação, de relacionamento, de Humanidade e de construção de cada um de nós. Uma Educação de irmãos para formar irmãos.
A encíclica que o Papa Francisco entregou no dia 3 de outubro junto ao túmulo do seu homónimo Francisco de Assis, é um documento profundamente embutido nos problemas atuais do mundo e oferece uma reflexão clara e corajosa que aponta caminhos para a sua mitigação. A Educação tem o seu protagonismo neste texto e não é de estranhar: ela em sido recorrentemente evocada como uma área de intervenção prioritária para mitigara a desigualdade, a pobreza, a violência, etc. Esta esperança na Educação parece até por vezes exagerada e fazem esquecer que a Educação atua num contexto social complexo e que só uma articulação e inter-relação de forças poderá contribuir para resolver problemas sociais eles mesmos já complexos e interligados.
A encíclica de Francisco refere-se a esta complexidade sem nunca se perder nela. E refere-se frequentemente à Educação: umas vezes explicitamente e muitas outras de forma mais subtil. Ao ler o texto, vemos como a Educação se guia por valores (e não por um pragmatismo rasteiro) e que estes valores são indispensáveis para inspirar e guiar as medidas que se lhes seguem. A exploração de todas as implicações educativas da encíclica virão a ser, certamente, mais exploradas no futuro. Mas, como abordagem inicial escolhemos cinco passagens que nos pareceram mais marcantes:
1. “Mas não posso reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo, nem mesmo à minha própria família porque é impossível compreender-me a mim mesmo sem uma teia mais ampla de relações (…)” (§89). Esta frase manifesta uma crença na imprescindibilidade da Educação vista como uma “teia de relações” para cada um se compreender a si próprio. Num momento em surge tanta defesa e com a competência exclusiva da família para a transmissão de valores (ref p. ex. ao “ensino doméstico”), esta frase coloca a Educação com uma responsabilidade intransmissível de abrir a pessoa ao mundo para que através de culturas distintas das culturas familiares se “compreender a si mesmo”.
2. “(…). Quanto aos educadores, e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens (…) devem estar cientes que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral, espiritual e social. Os valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais tenra idade (…)”. (§114). Depois de se referir ao papel da família na transmissão dos valores do amor, fraternidade, convivência e partilha, o Papa Francisco realça a responsabilidade dos educadores não só na formação moral, espiritual e social, mas também na aquisição e exercício dos valores da liberdade. E desde a mais tenra idade. Trata-se, sem dúvida, de uma inspiração para que os educadores e as escolas pensem nas melhores estratégias e formas organizativas para que os valores da solidariedade, o respeito mútuo e a liberdade sejam efetivamente transmitidos e sobretudo assimilados na escola.
3. “A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas. De tal modo que seja a sociedade a reagir às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos de poderes económicos, tecnológicos, políticos e mediáticos. (…)” (§167). É muito clara a relação que é traçada entre a aquisição de um conjunto de atitudes e de conhecimentos e o “empoderamento” da sociedade que, dispondo de cidadãos com estas capacidades se pode auto defender, reagindo e rejeitando os abusos que podem que sobre ela se cometem.
4. “(…) É necessário haver distintos canais de expressão e de participação social. A educação está ao serviço deste caminho, para que cada ser humano possa ser artífice do seu destino (…)” (§187). Ao destacar que a educação está ao serviço da criação de canais de expressão e participação social, este texto dirige-nos o olhar para 3 questões: uma é a necessidade da escola promover diferentes formas de expressão do pensamento e inclusivamente usar esta diversidade como estratégia e metodologia de ensino, outra é a necessidade de participação dos alunos no seu próprio processo educativo e ainda, a responsabilidade da escola na formação para a cidadania, isto é para que os jovens tenham informação e formação para participarem ativamente na vida social.
5. “Alguns nascem em famílias com boas condições económicas (…) Seguramente não precisarão de um Estado ativo e apenas pedirão liberdade. Se a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência (…) a fraternidade não passará de uma palavra romântica” (§109). Na verdade, todas as crianças beneficiam de participar em ambientes educativos, mas o Papa Francisco chama aqui a atenção para uma mercantilização da Educação que pode deixar sem educação ou com uma educação de má qualidade as crianças que mais poderiam beneficiar dela.
Quem já leu o documento (ato que vivamente se aconselha) sabe o quão telegráficas e resumidas são estas referências. Todo o documento ressuma uma ética de relação humana fraternal num mundo certamente colonizado por pensamentos que distorcem o valor cimeiro dos Direitos Humanos. Francisco evoca a imprescindibilidade do diálogo, da amizade social, da amabilidade e do perdão para nos aproximemos uns dos outros porque “uma coisa é sermos obrigados a viver juntos, outra é apreciar a beleza e a riqueza das sementes de vida em comum que devem ser procuradas e cultivadas em conjunto” (§31), Quando Francisco escreve: “(…) Sozinho corres o risco de ter miragens vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos” (§8) reafirma a base fundamental da Educação como atividade essencial de conhecimento, de troca, de interação, de relacionamento, de Humanidade e de construção de cada um de nós. Uma Educação de irmãos para formar irmãos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico