Período experimental: calcanhar de Aquiles ou galinha dos ovos de ouro?
Compensar os trabalhadores despedidos quando ultrapassados 120 dias de período experimental, como o Governo propõe no OE 2021, é como dar uma aspirina a um doente terminal.
A lei 93/2019, de 4 de setembro, a mais significativa alteração introduzida ao Código do Trabalho na anterior legislatura, deixou um lastro de desalento naqueles que viam na “geringonça” a oportunidade de reverter as perversas alterações introduzidas pela troika. Só para dar um exemplo, as enormes reduções das compensações por caducidade do contrato de trabalho a termo permaneceram desde a sua última alteração, em 2013, sem fim à vista. Mas mais do que não reverter, e sem prejuízo da bondade de algumas das soluções apresentadas naquele diploma no que toca, designadamente, às limitações à contratação a termo e ao trabalho temporário, que constaram dos acordos parlamentares à esquerda, e à eliminação do banco de horas individual, a lei deixou uma marca perigosa com impacto brutal em tempos de crise como a que vivemos.
Em encontros laborais entretanto promovidos, os académicos da área laboral falaram desta lei com desencanto. Monteiro Fernandes referia-se a esta lei com uma operação de “soma zero” e Leal Amado de um balanço “paupérrimo”. O alargamento do período experimental para 180 dias dos trabalhadores à procura do primeiro emprego, onde se encontram os trabalhadores que nunca tenham celebrado um contrato por tempo indeterminado e os desempregados de longa duração, onde estão as pessoas que se encontrem inscritas no Instituto de Emprego e Formação Profissional, I. P. há 12 meses ou mais, é instrumento de fragilização do trabalhador como poucos. Estes trabalhadores podem ver terminado o seu contrato durante seis meses sem necessidade de qualquer justificação e sem direito a compensação. No rigor dos conceitos, chamamos denúncia no período experimental. Na prática, e sobretudo com um prazo tão alargado, é, na verdade, uma espécie de ‘despedimento’ livre. Não há melhor moeda de troca para se dar aos patrões, de facto.
Esta proposta, ainda que com outras roupagens, já vem de longe. É uma velha aposta de Vieira da Silva, que já tentara este alargamento no passado obrigando o Tribunal Constitucional, no Acórdão 632/2008, de 9 de janeiro de 2009, a considerar inconstitucional o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias para trabalhadores indiferenciados. É uma fixação antiga, portanto.
No quadro das negociações orçamentais, o Governo não foi capaz de recuar nesta matéria. Encostado às boxes, retoma o ringue pronto a lutar pela vitória da sua galinha dos ovos de ouro na negociação com o capital. E luta renegando aquilo que se arroga de defender, a simplificação, a desburocratização e a famigerada certeza e segurança jurídica. Então que tem para oferecer o Governo? Compensar os trabalhadores despedidos quando ultrapassados 120 dias de período experimental. Um paliativo trapalhão que cria mais confusão na figura e não resolve o problema. É como dar uma aspirina a um doente terminal.
E não são os fundos insuficientes de Bruxelas que justificam esta medida. Não é tão pouco o peso orçamental da medida. Não é sequer uma questão de confiança dos investidores e a imagem internacional do país. Não. É mesmo uma escolha ideológica que não pode ser aceite à esquerda. Uma escolha que promove a precariedade que o Governo se comprometeu e propunha combater. Os ventos espanhóis mostram que é possível fazer escolhas diferentes. Resta saber até que ponto o Governo quer mudar esta escolha errada ou apenas mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma...
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico