Especialidade de Medicina de Urgência com os Internistas
Não se passe a ideia de que uma nova especialidade resolverá os problemas da Urgência em Portugal, porque esses são organizativos e de falta de coordenação com os Cuidados Primários, que seriam bem mais graves sem a presença abnegada e competente dos Especialistas de Medicina Interna.
Decorrem reuniões entre vários Colégios de Especialidade, patrocinadas pela Ordem dos Médicos, com vista a conseguir um consenso para a criação de uma Especialidade de Urgência em Portugal. Vários colegas da área da Emergência Hospitalar e Pré-Hospitalar, e até dos Cuidados Intensivos, são os promotores deste movimento. O grande argumento elencado para esta necessidade tem a ver com o facto de na maior parte dos Países Europeus haver a Especialidade de Medicina de Urgência.
O nascimento de uma nova especialidade médica não deve fazer-se de ânimo leve, por imitação ou interesses corporativos. Deve ter em conta as especificidades do país, e só se justifica quando promove vantagens na aquisição de conhecimentos, torna a organização mais eficiente e acrescenta qualidade na resposta dada aos doentes. Por isso, não podemos escamotear as marcadas diferenças entre a maioria dos Países Europeus em relação a Portugal, no que concerne ao Serviço de Urgência. Ao contrário de todos eles, em Portugal, só 10% dos recursos ao Serviço de Urgência têm observação médica prévia. Mais de 80% dos nossos doentes no SU têm doença médica aguda, enquanto que nos outros países predomina a emergência e o trauma. E, talvez mais do que tudo, a Medicina Interna quase desapareceu nesses países, enquanto em Portugal é a especialidade hospitalar mais numerosa (14% do total de especialistas hospitalares), assumindo-se como a “trave mestra” do Sistema Nacional de Saúde, no hospital.
Nada é mais errado em Portugal do que confundir a Urgência com a Emergência. Segundo os dados de 2018 divulgados pelo Ministério da Saúde, ocorreram 6,36 milhões de episódios de urgência, dos quais apenas foi dada prioridade laranja a 600 mil e vermelha a 20.500. Cerca de 40% dos atendimentos (2,2 milhões) foram classificados como pouco ou nada urgentes (pulseira verde ou azul) e a 42,7% (2,6 milhões) foi atribuída a cor amarela, que é onde reside a maior incerteza acerca da real gravidade clinica, mas em que se aceita que 40% não são de facto graves, após a primeira observação médica.
A formação em Medicina de Urgência está presente ao longo dos cinco anos do Internato de Especialidade de Medicina Interna, sendo uma área fundamental de avaliação no exame de titulação da especialidade, bem como em todos os concursos de progressão na carreira hospitalar.
Se há lugar onde a população reconhece o trabalho dos Internistas, é no Serviço de Urgência. Para os nossos doentes, que recorrem ao SU com uma amálgama de queixas, traduzindo um amplo espectro de gravidade, é muito importante poder contar com a capacidade de diagnóstico do Internista, que faz do raciocínio clinico a sua melhor ferramenta de trabalho. Outro aspeto muito relevante a ter em conta é o facto de, em Portugal, mais de 90% dos internamentos médicos terem origem no Serviço de Urgência, pelo que a presença dos Internistas no SU é uma garantia de segurança dos doentes, ao evitarem altas indevidas, com consequentes atrasos nos diagnósticos.
A opinião generalizada de todos os órgãos representativos da Medicina Interna em Portugal é que a criação da Especialidade de Urgência não é uma necessidade premente. Não vai trazer quaisquer vantagens para as respostas que os doentes precisam, na nossa realidade. No entanto, fazemos a leitura atual de que a maioria das outras especialidades envolvidas no SU, presentes nestas reuniões, consideram importante que tal aconteça. Por isso, iremos apresentar um projeto em que, no final da Formação Específica em Medicina Interna, será possível obter uma dupla titulação com a Medicina de Urgência.
Oxalá sejamos ouvidos, para não termos de sair dum fórum de diálogo que queremos sério e isento de mistificações. Aplaudimos os que queiram vir ajudar-nos no Serviço de Urgência. Há lugar para todos. Mas não esqueçam que os Internistas estão lá desde sempre, num trabalho exaustivo a que muitos têm fugido, com ou sem pandemia. Sobretudo, não se passe a ideia de que uma nova especialidade resolverá os problemas da Urgência em Portugal, porque esses são organizativos e de falta de coordenação com os Cuidados Primários, que seriam bem mais graves sem a presença abnegada e competente dos Especialistas de Medicina Interna.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico