Pensar, dialogar e capacitar: a missão do Centro do Atlântico
Manter o Atlântico como um espaço de paz, diálogo e cooperação é um objetivo ambicioso, mas urgente e vital para os nossos interesses. É isso que queremos fazer com a criação do Atlantic Centre.
O Atlantic Centre, que está a nascer nos Açores, vai ser um instrumento de afirmação de Portugal, promovendo a segurança cooperativa no conjunto do Atlântico, desde a África do Sul ao Canadá, desde a Argentina à Noruega.
A pandemia que vivemos levou ao adiamento de algumas das iniciativas de formação e treino do Centro, mas reforçou decisivamente a consciência da necessidade de um diálogo político forte com os parceiros de todas as partes do Atlântico.
O seminário inaugural do Centro, em 2019, mobilizou participantes de mais de 30 Estados atlânticos e organizações multilaterais, com grande sucesso e entusiasmo. Ontem, teve lugar o segundo seminário do Atlantic Centre, no Instituto da Defesa Nacional e através de plataformas digitais, em torno do tema das “respostas multidimensionais para emergências complexas” nesta casa comum que é o Atlântico. Para além do diagnóstico e partilha de boas práticas, a discussão passou pelas soluções tecnológicas, como a tecnologia espacial, que permitem a monitorização deste vasto espaço oceânico, assim como a partilha de informação para o exercício responsável da soberania, elemento primordial para a segurança regional.
Sabemos todos que temos de pensar em conjunto os múltiplos desafios em torno do Atlântico. Eles exigem respostas mais integradas, multidimensionais e, acima de tudo, cooperativas. Contudo, a necessidade não produz por si só o mecanismo. O Atlantic Centre é uma iniciativa portuguesa, mas a ambição é maior: pretende vir a ser uma organização de excelência internacional, de segurança cooperativa e de reforço da capacidade de defesa no Atlântico. Trata-se de uma iniciativa que é não só oportuna como urgente.
O valor geoestratégico central dos territórios portugueses no Atlântico (Continente e Regiões Autónomas) pode ser sublinhado e valorizado através de iniciativas concretas. À semelhança de outras novas abordagens, como uma futura Constelação de Satélites, o Atlantic Centre reforça a capacidade e a credibilidade de Portugal na segurança e defesa do vasto espaço atlântico sobre o qual tem responsabilidades.
Ambicionamos, legitimamente, ver a extensão da nossa Plataforma Continental reconhecida pelas Nações Unidas. Mas temos consciência que ela representa uma responsabilidade acrescida por uma mais eficaz monitorização das atividades ilegais e criminosas que cruzam o oceano e alimentam a instabilidade no entorno geográfico do Atlântico.
Portugal pode e deve ser facilitador e mobilizador de vontades em torno de problemas partilhados e que ameaçam a segurança e o desenvolvimento de todos os Estados atlânticos. O Atlantic Centre será gerador de diálogos políticos profícuos, preenchendo uma lacuna da governança internacional; e será palco de formação prática e operacional, correspondendo às necessidades de cada um dos Estados parceiros.
Por exemplo: uma das características da realidade atual é a pirataria marítima ao largo do Golfo da Guiné, por onde circula uma parte substancial do comércio entre a Europa e África. Nesta região, em 2019, verificaram-se 90% dos raptos e assaltos por piratas no mundo, sendo, por isso, uma das principais preocupações de segurança partilhadas pelo Estados atlânticos.
Aliás, a segurança marítima é uma das prioridades da Presidência Portuguesa da UE (PPUE) durante o primeiro semestre de 2021. Portugal contribuirá para ajudar a Europa a reconhecer o seu lugar no mundo a partir da imensa porta para o resto do globo que é aberta pelo Atlântico. Para perceber a sua importância, basta recordar que 80% do comércio externo e até 40% do comércio interno da União Europeia tem lugar por via marítima, e que grande parte dele transita pelo Atlântico.
O Atlantic Centre conjuga também com o empenho nacional no reforço da parceria europeia com África, a qual será igualmente uma das prioridades da PPUE. Um olhar sobre o Atlântico, que ignorasse as dinâmicas de insegurança que atravessam o continente africano e se ligam com a Europa e as Américas, seria sempre uma visão limitada. O Atlantic Centre tem a ambição de abordar os temas na sua amplitude.
Se a este cenário dinâmico acrescentarmos as pressões crescentes que decorrem das alterações climáticas, as novas vulnerabilidades que a digitalização das nossas sociedades acarreta ou a competição geopolítica que leva à presença no Atlântico de potências não-atlânticas, então, a probabilidade de enfrentarmos emergências complexas num futuro próximo é efetivamente muito alta.
Tendo a sua sede operacional na Base das Lajes, na Ilha Terceira, nos Açores, as atividades do Atlantic Centre estão estruturadas em três eixos centrais: um centro de reflexão estratégica e operacional, que irá produzir e compilar doutrina e identificar lições, promovendo uma cultura de segurança comum aos países atlânticos; uma plataforma de diálogo político, ligando os países do Atlântico sul e norte em torno de ameaças comuns e soluções cooperativas; e um centro de formação e capacitação no domínio da defesa, dedicado à edificação cooperativa de capacidades.
Ao longo deste último ano, as atividades do Centro, em cada um destes eixos, progrediram. E a nossa expetativa é que até ao próximo mês de maio possamos oficializar este interesse com a assinatura do acordo que constituirá a base de ação multinacional do Centro do Atlântico, e com a apresentação formal do Centro, nos Açores, durante a Presidência Portuguesa da União Europeia.
Manter o Atlântico como um espaço de paz, diálogo e cooperação é um objetivo ambicioso, mas urgente e vital para os nossos interesses. Portugal é um país atlântico pela sua história, e também o deve ser por uma visão de futuro. A renovação desta vocação passa por investir em explorar melhor, de forma sustentável, o seu vasto território no Atlântico, e as suas grandes possibilidades económicas, como aliás refere a visão estratégica proposta pelo professor Costa Silva. Mas, para o podermos fazer, teremos de ser capazes de conhecer e proteger os recursos que aí se encontram, e num espaço tão fluído como o Oceano Atlântico a segurança cooperativa é, sempre que possível, a opção mais eficiente.
Portugal poderá gerar o diálogo produtivo e consequente neste espaço, reunindo países de norte a sul e de leste a oeste do Atlântico, reduzindo desconfianças e identificando ameaças e respostas partilhadas. É isso que queremos fazer com a criação do Atlantic Centre.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico