Crise do regime
Vivemos tempos de inquietação e incerteza para o futuro de Portugal. Temos de decidir o caminho a escolher, só possível com patriotismo, coesão, enquadramento mobilizador e liderança responsável.
A grave crise sanitária, económica e social que conduz o País a um estado de emergência permanente coloca em causa o normal funcionamento de um Estado de direito.
A pandemia de consequências imprevisíveis veio acelerar os desafios estruturais que a maioria dos países já enfrentava, bem como os riscos políticos.
Temos que encontrar um novo modelo económico e não podemos desperdiçar os enormes recursos da UE, no âmbito do plano de recuperação económica.
Temos um plano – sem estratégia – para os vários instrumentos que, ao longo de dez anos, vão enquadrar a execução dos enormes fundos comunitários que deviam ter como prioridades os seguintes objectivos: reforçar os cuidados de saúde; travar a pobreza; proporcionar habitação condigna; fazer a reforma do Estado; reforçar a inovação para melhorar a competitividades das empresas; produzir de forma mais limpa; digitalizar empresas e Administração Pública; e apostar na ferrovia.
O Plano de Recuperação e Resiliência tem de conferir robustez social, económica e territorial, acelerar a dupla transição digital e climática e respeitar as recomendações da UE específicas para Portugal. A primeira prioridade é necessariamente responder às vulnerabilidades sociais, que a crise sanitária mais evidenciou.
Falta saber implementar um verdadeiro plano de acção e saber como fazer a governação e gestão com transparência na aplicação dos fundos da UE. E que seja acompanhada de reformas estruturais resolvendo os estrangulamentos da economia. Necessidade urgente de planear e urgência na acção.
Por outro lado, a presidente da Comissão dá o seu apoio incondicional, referindo que Portugal não só está bem colocado para aproveitar o máximo do plano de apoio europeu Next Generation EU), como pode servir de exemplo para todos os outros Estados-membros.
Ninguém perdoaria se não fossemos capazes de encontrar um amplo consenso para uma estratégia que enquadre o plano de recuperação – por mais de uma legislatura –, o que devia constituir motivação central para a reflexão política em vez da dramatização para aprovação do orçamento.
Os debates vão ser mais vivos, pelo que vai ser preciso usar aquilo que é o ingrediente essencial das democracias, que é o compromisso.
A situação delicada e complexa do país, que se prepara para receber aqueles fundos europeus, reclama um enorme sentido de Estado por parte das lideranças políticas para evitar a ingovernabilidade numa altura em que Portugal se prepara para assumir a presidência da UE. É inaceitável uma crise política!
No entanto, importa sinalizar que o regime político está em crise. E nisso alguns políticos estão alinhados com a maioria dos portugueses.
Depois da transição do 25 de Abril para o regime democrático, da adesão europeia e da adopção do euro, das expectativas elevadas da viragem do século e das frustrações, entretanto, vividas, bem como da resposta corajosa dos portugueses, seria de esperar a busca da unidade, de pacificação, de reforçada coesão nacional.
Contudo, a maioria da classe política sabe que não tem a confiança dos cidadãos, o que se traduz nos elevados níveis de abstenção.
Além disso, os efeitos colaterais da crise não podem ser desvalorizados, pois vão provocar modificações da sociedade. E, por isso, impõe-se uma reforma do sistema político e a “requalificação” de alguns políticos.
A pobreza e o desemprego são ameaças ao regime democrático. Os desafios que Portugal enfrenta obrigam a sociedade a uma profunda reflexão, que levem às necessárias alterações da estrutura político-institucional.
Temos de conseguir ir mais longe, com realismo mas visão de futuro, na capacidade e na qualidade das nossas Educação e Ciência. Mas também da Saúde, da Segurança Social, da Justiça e da Administração Pública e do próprio sistema político e sua moralização e credibilização constantes, nomeadamente pelo combate à corrupção e ao clientelismo.
Temos também de cicatrizar feridas dos longos anos de sacrifícios, da perda de consensos de regime e de fracturas político-partidárias.
Tudo indesejável, precisamente em anos em que urge recriar convergências, redescobrir diálogos, refazer entendimentos e conseguir razões para a renovação de esperança.
Vivemos tempos de inquietação e incerteza para o futuro de Portugal. Temos de decidir o caminho a escolher, só possível com patriotismo, coesão, enquadramento mobilizador e liderança responsável.