Por uma Europa forte e de valores – a mesma luta de Mário Soares
Soares via na Europa Unida uma das mais admiráveis construções políticas - e morais – da história humana, de que os cidadãos e os povos europeus tinham o direito - e até o dever - de se orgulhar. Por isso, odiava a Europa dos burocratas e dos tecnocratas
Com a atribuição do nome de Mário Soares à promoção deste ano no Colégio da Europa, que coincide com a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021, homenageamos a memória de um grande homem, de um grande português, de um grande europeu e de um grande cidadão do mundo. A abertura oficial do ano letivo 2020-2021, no próximo dia 13, em Bruges, contará com a presença do Presidente da República, sinal do enorme prestígio que esta homenagem representa para Portugal.
Para Soares, amador, conhecedor e leitor da História, a Europa do século XXI e da globalização mundial devia ser a atualização criadora da tradição humanista e dos seus valores: a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a justiça, os direitos humanos, o universalismo, a cooperação, a paz.
Resistente à ditadura, que em Portugal durou meio século (1926-1974), foi por esses valores que Soares lutou, pagando por isso o preço da prisão, da deportação e do exílio.
Depois do 25 de abril de 1974, foi em nome dos mesmos valores que se opôs frontalmente à radicalização da Revolução e à tentação totalitária que a acompanhava. Esse foi um momento crucial para a Europa e o ocidente, tornando Soares um Herói da Liberdade e da Democracia, conhecido e reconhecido mundialmente. Foi nessa altura que André Malraux afirmou que, com Soares e os socialistas portugueses, pela primeira vez na História, os mencheviques tinham vencido os bolcheviques.
No desempenho dos mais altos cargos - Secretário-Geral do Partido Socialista, dirigente da Internacional Socialista, Primeiro-Ministro, Presidente da República - o grande e permanente objetivo de Soares foi instituir, consolidar, aprofundar e enraizar em Portugal, sem ambiguidades, adiamentos ou alibis, uma democracia europeia, civilista, pluralista, pluripartidária e desenvolvida. Soares conseguiu e isso foi um grande feito. Ganhou ele, ganhou Portugal, ganhou a Europa.
Com uma ousada visão estratégica, que não vacilou um instante, foi Soares quem subscreveu, logo em 1977 o pedido de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia. Foi ainda ele que, em 1985, logrou concluir as negociações e assinar o Tratado de Adesão.
Para Mário Soares a Europa não era uma União Aduaneira, nem um Mercado Interno, ou uma moeda única. Para Mário Soares a Europa é a depositária de um património comum dos valores em que se funda a nossa União e – por isso – a adesão de Portugal à Europa foi, antes de tudo o mais, o esconjurar final da Ditadura e a garantia definitiva de um Portugal Livre e Democrático.
Mas se Soares lutou sempre por um Portugal europeu, lutou e militou também sempre por uma Europa moderna que esteja à altura da sua melhor tradição e dos altos desígnios dos seus pais fundadores.
Soares foi um militante da Europa. Foi-o nos cargos portugueses que desempenhou e foi-o nas instituições europeias a que pertenceu: como deputado do Parlamento Europeu (1999-2004), como Presidente do Movimento Europeu Internacional e como Presidente do Comité de Sábios para a Reestruturação do Conselho da Europa.
Soares via na Europa Unida uma das mais admiráveis construções políticas - e morais – da história humana, de que os cidadãos e os povos europeus tinham o direito - e até o dever - de se orgulhar. Por isso, odiava a Europa dos burocratas e dos tecnocratas, a dos resignados e a dos conformistas, a dos financistas e a dos cínicos, a dos céticos e a dos desistentes.
As suas grandes referências culturais, literárias, artísticas, históricas e políticas eram, antes de mais, europeias, embora fosse um homem aberto a todas as culturas e a todas as civilizações. Ele, como o poeta e dramaturgo romano Terêncio, podia dizer: “Sou homem. Nada do que é humano me é estranho”.
Soares viveu com trágica emoção a II Guerra Mundial e foi nela, e antes na Guerra Civil de Espanha, que a sua consciência política se afirmou e se tornou determinação, luta e ação. Nessa altura, como o poeta português Afonso Duarte, ele podia dizer: “E cá mesmo no extremo Ocidental/ Duma Europa em farrapos, eu/Quero ser europeu. Quero ser europeu/ Num canto qualquer de Portugal”.
Num tempo de mudanças, dificuldades e perplexidades, em que temos de encontrar para a Europa um rumo claro e seguro, os grandes europeus e o seu exemplo edificante são um património que devemos valorizar, simbolizar e divulgar. Também eles enfrentaram momentos difíceis, às vezes dramáticos, e souberam abrir a senda e construir o caminho no meio de crises e atribulações. É esse o nosso dever e o nosso desafio.
Mário Soares foi sempre um idealista a olhar o futuro e um realista a construir o presente. A melhor maneira de homenagearmos um homem com a sua grandeza e a sua visão é olharmos o futuro da Europa de frente e com um sentido de necessidade, de urgência e de insatisfação.
É olharmos o futuro com a precaução dos riscos e a consciência das ameaças. É olhá-lo com a confiança da vontade e a lucidez da inteligência. É olhá-lo com a firmeza da coragem e o desassombro do inconformismo. É olhá-lo com a abertura às mudanças e com a curiosidade do novo. É olhar o futuro com a fidelidade aos valores e com a audácia dos ideais.