Open House Lisboa 2020: viajar pela cidade com os ouvidos
Em tempo de pandemia, a 9.ª Open House Lisboa procura levar os participantes a conhecer a capital de maneira diferente. É com percursos sonoros que, este ano, se conhecem os traços arquitectónicos da cidade.
É na praça de Santo António, junto à estação de metro de Alvalade, em Lisboa, que começa o percurso. Guiados pela voz de Inês Meneses, rumamos em direcção ao jardim Mário Soares, no Campo Grande, a cerca de um quilómetro da estação.
O trajecto que percorre 2,7 quilómetros não é muito preciso, mas uma das intenções destes “percursos sonoros” criados pela Open House Lisboa é também que as pessoas explorem a cidade e vejam os traços arquitectónicos enquanto passeiam por Lisboa. Marcada pela pandemia de covid-19, esta foi uma das soluções encontradas para se poder realizar o evento, que decorre nos dias 26 e 27 de Setembro.
Adiar a Open House Lisboa, uma iniciativa que a Trienal de Arquitectura de Lisboa realiza todos os anos, nunca esteve nos planos da organização, explica Manuel Henriques, e a ideia de criar estes percursos sonoros não foi uma solução de recurso: “Em Março, no pico da pandemia, começámos a planear o evento. Queríamos que o evento acontecesse, mas que não fosse mais uma coisa online.”
Quem participar na Open House 2020, poderá escolher entre oito percursos disponíveis que foram gravados e transformados nestes passeios sonoros, com tempos que variam entre 21 e 71 minutos: “Pretendemos que fosse um grupo plural, em termos de género e de espectro profissional, não apenas arquitectos, e que todos fizessem a sua vida em Lisboa”, refere o arquitecto. Por isso, o leque de convidados reúne várias áreas, desde o cinema até à história, passando pela literatura ou pelo jornalismo.
No caso de Inês Meneses, locutora de rádio, o percurso chama-se “Os amantes do caleidoscópio” e retrata uma história de amor fictícia, passada nos lugares que a radialista nos convida a visitar. Vamos desde a praça de Santo António até à estação de metro da Avenida de Roma. Pelo meio, visitamos o centro académico do Caleidoscópio e a Aula Magna, onde, na história, se passa um concerto em que os protagonistas se conheceram anos antes. E continuamos a viagem.
Um percurso pelo presente e pelo passado de Lisboa
Chegados à Avenida de Roma, viajamos de metro até ao Martim Moniz para um novo percurso. No alto da colina, está o Castelo de São Jorge. De uma história de amantes, recuamos no tempo e visitamos uma Lisboa do século XVI. Por entre histórias sobre a Torre do Tombo, Rui Tavares centra o seu passeio de quase três quilómetros na prisão de Damião de Góis pela Inquisição em 1571. Contemplamos a cidade com o rio Tejo ao fundo e rumamos em direcção à antiga Prisão do Limoeiro (actual Centro de Estudos Judiciários). O destino é o Cais das Colunas, na Praça do Comércio.
“Escolhi este [percurso] porque no dia 4 de Abril do próximo ano assinalam-se os 450 anos do dia em que Damião de Góis foi preso e isso representa o final de um período de coexistência religiosa e de ideias em Portugal”, revela Rui Tavares, historiador e colunista do PÚBLICO. Uma das paragens será então no Rossio, à procura do fantasma do Palácio dos Estaus, também conhecido como Palácio da Inquisição.
Além de ouvir Rui Tavares e Inês Meneses, podemos escutar igualmente a voz de figuras como Leonor Teles (cineasta), Tomás Wallenstein (músico), Gonçalo M. Tavares (escritor), Paula Moura Pinheiro (jornalista) ou Lígia Soares (coreógrafa). “A Leonor está muito habituada à imagem e ao som e gostávamos de perceber como responderia ao desafio de retratar a cidade”, explica o arquitecto. Além da razão óbvia de trabalhar com som, o músico dos Capitão Fausto foi escolhido porque “poderia dar uma visão diferente, de quem é músico e que contacta directamente com o bairro de Alvalade, visto que a banda ensaia e tem o estúdio lá”. A arquitectura não ficou esquecida. Por isso, o arquitecto Gonçalo Byrne, actual presidente da Ordem dos Arquitectos, também faz parte dos convidados e passeia entre Alfama e o Chiado.
Uma iniciativa a repetir em ocasião futura
A cidade de Lisboa poderá assim ser perspectivada em diferentes eras. Quem estiver interessado em realizar um destes percursos poderá aceder ao site da Open House Lisboa e fazer o download do respectivo ficheiro áudio. No terreno, estarão voluntários para auxiliar os participantes em caso de dúvidas.
Para o arquitecto responsável pelo evento, “é uma experiência a repetir e, quem sabe, a estender além da Open House, chegando mesmo à Trienal”. “Ficámos com o ‘bichinho’ e gostávamos de apostar em algo do género no futuro”, promete Manuel Henriques.