A vulnerabilidade dos ensaios clínicos
Matshidiso Moeti, diretora da Organização Mundial de Saúde (OMS) África, no dia 9 de julho durante uma conferência promovida pelo escritório para África da OMS, defendeu a importância de definir procedimentos para a participação das populações e cientistas africanos nos ensaios clínicos de modo a “assegurar que são feitos de acordo com os mais altos padrões internacionais”.
No âmbito desta investigação, o Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, através da Cátedra UNESCO de Bioética, é parceiro no projeto BERC-Luso, juntamente com a CEIC, o Infarmed e a Ordem dos Farmacêuticos. Este projeto visa desenvolver e fortalecer nos cinco países de Língua Oficial Portuguesa envolvidos no projeto (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe), os sistemas nacionais de regulação de medicamentos e as capacidades para a revisão ética da investigação clínica, a fim de preservar o interesse da saúde pública, permitindo que a indústria farmacêutica prossiga a sua atividade, respeitando os valores éticos e culturais à luz da legislação internacional.
Na corrida mais louca do mundo, o projeto BERC-Luso é fundamental, principalmente quando os países envolvidos apresentam inúmeras fragilidades, seja pela falta de meios (humanos e materiais), seja pela ausência de regulamentação ao nível dos ensaios clínicos, seja pela vulnerabilidade que as suas populações muitas vezes apresentam.
O tesouro escondido no final do arco-íris que a vacina representará não pode ser conseguido a qualquer preço e, as instituições envolvidas nos ensaios clínicos assim como os governos dos diversos países tem o dever ético e moral de proteger as suas populações. Como? O consentimento informado livre e esclarecido tem de ser garantido através de uma informação clara e acessível, deve ser assegurado que não existe compensação financeira para os participantes e exige-se a proteção dos grupos mais vulneráveis, só para mencionar alguns exemplos essenciais à discussão.
O projeto BERC-Luso – com a duração de três anos, financiado pelo Programa EDCTP2 (Parceria entre a Europa e os Países em Desenvolvimento para a Realização de Ensaios Clínicos), com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian – encontra-se no 2.º ano de implementação. O programa inclui várias iniciativas, entre elas, a elaboração de um estudo legislativo comparativo das atuais legislações nacionais com as boas práticas internacionais, visando a aplicação destas nos países parceiros. Esta ação decorreu em junho de 2019 em Lisboa, no Infarmed e culminou com o Simpósio “As melhores práticas internacionais em matéria de investigação clínica: uma parceria com Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa”.
Uma das ações mais relevantes deste projeto decorreu em fevereiro, em Cabo Verde, na Cidade da Praia, com o curso Investigação Biomédica e Ensaios Clínicos: Capacitação Regulamentar Ética com seis dias de formação intensiva. Ambas as ações contaram com a presença de membros das Autoridades de Ética e Autoridades Regulamentares dos cinco países lusófonos e de formadores das quatro instituições portuguesas envolvidas no projeto.
Muitas outras ações estão programadas no decorrer do BERC-Luso, no entanto, por motivos conhecidos, o conselho executivo foi obrigado a adiar as atividades previstas e houve necessidade de reinventar a sua continuação.
O modo como a investigação científica e, em particular, os ensaios clínicos estão a avançar, leva a necessidades, cada vez mais prementes, em particular, no que diz respeito aos países africanos que muitas vezes são vistos como presas fáceis para a realização de ensaios clínicos. O BERC-Luso tem, por isso, uma enorme relevância, no sentido em que irá permitir aos países envolvidos estabelecer condições para o crescimento da investigação, nomeadamente de ensaios clínicos, com o conhecimento e a adoção das melhores práticas internacionais, de modo a garantir que estas práticas sejam desenvolvidas com base nos princípios éticos fundamentais.
A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico