Territórios da rede Natura 2000 “fortemente afectados” pela expansão dos eucaliptos
Investigação levada a cabo por investigadores das universidades de Munique e Zurique usou imagens multi-espectrais para monitorizar populações de eucaliptos fora do perímetro das áreas de plantações regulares. As conclusões surgem em tom de alerta.
Os primeiros registos da espécie eucalyptus em território europeu remontam ao final século XVIII, quando, primeiramente por razões ornamentais, as árvores foram exportadas da Austrália para o resto do globo. Não foi necessário, ainda assim, muito tempo para que o carácter adaptativo da espécie se destacasse, aliado a um crescimento rápido, despertando o interesse de inúmeras indústrias – tanto que no século XX o eucalyptus globulus (mais utilizado para aplicações industriais) já estava fortemente presente no continente europeu. À medida que a expansão ocorria (incentivada por governos nacionais e organizações internacionais, que promoviam as propriedades da espécie enquanto fonte renovável de energia de rápido crescimento), muitos ignoravam as desvantagens da cultura, a começar pelo seu carácter invasivo.
Foi precisamente com o objectivo de mapear a existência dos eucaliptos na Península Ibérica que Andreas Forstmaier se juntou a Jia Chen (ambos do departamento de engenharia electrónica e informática da Universidade Técnica de Munique) e ao engenheiro agro-alimentar Ankit Shekhar (da Universidade de Zurique). Fazendo uso de imagens multi-espectrais, de resolução média, provenientes dos satélites usados nas missões Sentinel 2, o trio examinou as áreas pertencentes à rede Natura 2000 – zonas ao abrigo das directivas europeias de protecção de aves e habitats –, de forma a identificar “pequenas e incipientes populações, assim como “plantações ‘mistas’, fora do perímetro das áreas de plantações regulares”.
Na apresentação dos resultados do artigo, intitulado Mapping of Eucalyptus in Natura 2000 Areas Using Sentinel 2 Imagery and Artificial Neural Network, os investigadores realçam que, só no território português, já há 15 territórios (pertencentes à rede Natura 2000) afectados pela presença de eucaliptos, dos quais nove estão “fortemente afectados”.
Em declarações ao PÚBLICO, Andreas Forstmaier justificou a opção pelos territórios pertencentes à Rede 2000 por estarem em causa “zonas protegidas e que, como tal, devem ser monitorizadas com mais detalhe, para que os seus ecossistemas mais sensíveis sejam preservados”. Daí que encare “a substituição gradual das espécies autóctones por população invasiva” como uma das maiores ameaças ambientais às espécies que ali habitam. “Como estes ecossistemas são únicos e albergam várias espécies ameaçadas que dependem de um ambiente intacto, é crucial que façamos um esforço para os proteger”, resumiu.
Quanto às tecnologias usadas no estudo, muitas representam uma novidade nas investigações desenvolvidas neste campo. Se, por um lado, este é o primeiro estudo a oferecer um mapa de resolução espacial de 10 metros das ocorrências de eucalipto, mesmo para as áreas externas às plantações regulares da Península Ibérica ocidental, a utilização de imagens provenientes dos satélites usados nas missões Sentinel 2 para a detecção de espécies invasoras, a nível nacional, na rede Natura 2000 é também uma novidade.
Segundo Andreas Forstmaier, as imagens multi-espectrais utilizadas, que facultam mais informações do que as imagens de cor, contêm “partes do espectro da luz que não são visíveis ao olho humano, por exemplo, infravermelhos, daí que sejam normalmente usadas para a monitorização de culturas ou florestas, inclusive com informações sobre a actividade fotossintética das plantas”. A aposta deve-se ainda à componente automatizada do método e à disponibilidade no acesso às imagens, que podem ser consultadas por qualquer cidadão que tenha acesso a um computador.
Questionado sobre o uso dos métodos para outros fins, ainda que no âmbito da gestão florestal, o investigador é rápido a enumerá-los. Desde “forçar o cumprimento de leis e as limitações às plantações de eucaliptos”, à detecção dos esforços dos proprietários em demarcar a incontrolável propagação dos eucaliptos em redor e fora das propriedades, passando ainda pela localização de propriedades não registadas. No que diz respeito à prevenção de fogo, as imagens podem ser usadas para “identificar as áreas que estão densamente cobertas por monoculturas de eucaliptos”.
Incêndios, causa e efeito
Numa análise mais geral, o investigador defende que o efeito mais visível das plantações de eucaliptos em larga escala, com especial destaque para os territórios ibéricos, são mesmo os “incêndios florestais” e a rapidez com que a espécie renasce depois da ocorrência destes, em comparação com as “árvores nativas”. Por outras palavras, “os eucaliptos substituem a vegetação existente e actuam como combustível para potenciais incêndios florestais futuros”. Um “ciclo” que, na opinião de Forstmaier, “continuará e, face à previsão de subida de temperaturas médias em Portugal nas próximas décadas, será cada vez mais recorrente”.
Para fazer frente a (ou até mesmo reverter) esta realidade, Forstmaier considera que uma “acção rápida é necessária”, principalmente nos ecossistemas onde os eucaliptos se podem espalhar “rapidamente”. Nestes casos, “pequenas populações têm de ser removidas e substituídas por espécies autóctones”, visto que uma acção tardia pode representar “um controlo ainda mais difícil no futuro”.
A acção deverá passar igualmente por “um controlo contínuo e mais rigoroso por parte das autoridades”, com o foco na “prevenção e na gestão da sustentabilidade das florestas”. “Necessário é trazer de volta práticas de gestão florestal sustentáveis e subsidiar empresas e agricultores que trabalham de forma sustentável.” Paralelamente, defende ainda o reforço do corpo de guardas florestais que “controlam regularmente as florestas (tanto públicas como privadas)”, algo que considera vital. Estas medidas, reconhece, exigirão um “grande esforço para reconstruir a indústria florestal em Portugal”, no entanto, serão “a única forma de prevenir incêndios no futuro”.
O investigador lança um desafio àqueles que duvidam do impacto da presença cada vez mais dominante de eucaliptos nas florestas portuguesas. “Entre numa floresta, sente-se durante cinco minutos e não faça mais nada senão ouvir. Primeiro faça-o numa plantação de eucaliptos e depois numa floresta virgem e tente descobrir as diferenças.”