Adeus, querida Olivia
Neste momento, quero imaginar Olivia de Havilland a subir as escadas para o paraíso como quando, acompanhada por uma lamparina (qual tocha vitoriosa), subiu, de maneira majestosa, a escadaria da sua mansão em The Heiress.
Olivia de Havilland, a última grande estrela dos anos 30 e 40, a actriz que fazia a ligação entre nós, gente de agora, e a velha e glamorosa Hollywood, faleceu no passado dia 26 de Julho, com invejáveis 104 anos. Sendo uma actriz que muito admiro, fiquei bastante melancólico com a sua morte. É como se esse cordão umbilical que ela assegurava se tivesse rompido. A velha Hollywood ficou mais distante, mais etérea e mais nostálgica.
Melancolias à parte, há que relembrar a fantástica de Havilland. Nascida em Tóquio e filha de pais britânicos, a actriz de grandes olhos castanhos teve uma carreira e uma vida admiráveis. Começou como estrela da Warner Bros (WB) em filmes de aventuras com o galã Errol Flynn, dando vida a virginais e ariscas donzelas. Contudo, posteriormente deu-se o conhecido episódio em que processou a mesma WB: supostamente, o seu contrato de sete anos com o estúdio terminaria em Maio de 1943. No entanto, o estúdio decidiu que de Havilland deveria trabalhar sob as suas ordens por mais 25 semanas de maneira a compensar o período de algumas suspensões que ela havia sofrido na consequência de ter, em parte, recusado papéis que certamente não lhe agradavam.
Mas, inesperadamente, uma infeliz de Havilland saiu-se com a melhor. Baseando-se numa lei da Califórnia, segundo a qual um contrato não pode aplicar-se a um empregado para além de sete anos desde o início do serviço, de Havilland processou a WB e, voilà, venceu e tornou-se freelancer. Este acontecimento favoreceu o fim dos contratos dos actores com os estúdios e contribuiu para o fortalecimento da relação entre as estrelas e os seus agentes.
Esta regra de que sete anos são exacta e somente sete anos ficou conhecida como de Havilland decision. A partir desse momento, de Havilland iniciou uma carreira mais interessante em termos dramáticos. Mais especificamente, deu vida a personagens mais complexas em três filmes que constituem a melhor fase da sua carreira: To Each His Own (1946), The Snake Pit (1948) e a obra-prima The Heiress (1949). Ganhou merecidamente o Óscar de Melhor Actriz por este e por To Each His Own.
Sucesso à parte, não há como não mencionar Gone with the Wind (1939), o filme que assegura, mais do que qualquer outro, o seu lugar na história do cinema, onde dá vida à gentil e incrivelmente bondosa Melanie Hamilton. A sua doçura e o seu cabelo apanhado e com risco ao meio fazem-na assemelhar-se a uma espécie de Branca de Neve da Disney, mas mais dramática e inspiradora. Como se não bastassem os filmes sumptuosos com Flynn e os melodramas dos anos 40, de Havilland pode também orgulhar-se de ter contracenado algumas vezes com a sua amiga Bette Davis. Vê-las juntas é prazeroso.
Neste momento, quero imaginá-la a subir as escadas para o paraíso como quando, acompanhada por uma lamparina (qual tocha vitoriosa), subiu, de maneira majestosa, a escadaria da sua mansão em The Heiress. Contudo, diferentemente da amargura e ressentimento da infeliz herdeira, pretendo vê-la como uma mulher feliz pelo seu inquestionável contributo à história do cinema, bem como pelo seu inegável charme.