Crimes sexuais contra crianças
A estratégia apresentada pela Comissão Europeia apenas peca por tardia. Quem se envolve nestas matérias sabe que uma visão estratégica (como a delineada agora) é a única forma de combater de forma séria os crimes de abuso sexual de criança.
No passado mês de julho, a Comissão Europeia apresentou, entre outras iniciativas, uma estratégia da União Europeia para uma luta mais eficaz contra o abuso sexual de crianças.
Para além de se tratar de uma ameaça transfronteiriça, verificou-se que é uma ameaça que se agravou durante a pandemia. Pelo facto de os agressores serem muitas vezes pessoas que vivem com as crianças, o confinamento facilitou as agressões. Por outro lado, o aumento do uso da internet durante o confinamento também contribuiu para o aumento do crime sexual contra crianças online.
Estima-se que uma em cada cinco crianças seja vítima de alguma forma de violência sexual na Europa. Por outro lado, tal como se referiu, a pandemia agravou o problema, tendo o crime perpetrado pela internet na União Europeia aumentado de 23 mil casos em 2010 para mais de 725 mil em 2019.
Perante tudo isto, a Comissão apresentou uma nova estratégia para combater o abuso sexual de crianças. A estratégia propõe uma série de iniciativas para 2020/2025 que se concentram numa melhor coordenação, lançando de imediato um estudo tendo em vista a criação de um novo centro europeu sobre abuso sexual infantil. Tal centro irá basear-se nas melhores práticas de centros semelhantes em todo o mundo (como o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas nos EUA) e pode receber denuncias de abusos sexuais infantis, apoiar a prevenção e ajudar as vítimas. Por outro lado, tal Centro irá promover a cooperação com outras entidades que visam o combate ao abuso sexual de crianças.
Um outro foco é a prevenção. A Comissão Europeia verificou que os estudos sobre o que motiva as pessoas a cometerem abusos sexuais são escassos e, por outro lado, a interação entre os estudos e os profissionais da área é mínimo. Por isso, a Comissão tentará desenvolver uma rede de prevenção para apoiar vínculos mais fortes entre os estudos realizados, com especial enfoque em programas para pessoas que podem ser agressores sexuais em potência, bem como criar campanhas de consciencialização para a comunicação social.
Por outro lado, a Comissão irá procurar criar um forte quadro jurídico que inclua a implementação completa da legislação da União Europeia em matéria de combate ao abuso e exploração sexual de crianças (tal como a Diretiva 2011/93), identificar lacunas legislativas, melhores práticas e ações prioritárias.
Por fim, a Comissão Europeia procurará uma resposta reforçada da aplicação da lei, incluindo um Centro e Laboratório de Inovação, a ser criado pela Europol, que irá trabalhar para o desenvolvimento de um Centro Europeu de combate ao abuso sexual de crianças.
A estratégia apresentada pela Comissão Europeia apenas peca por tardia. Quem se envolve nestas matérias sabe que uma visão estratégica (como a delineada agora) é a única forma de combater de forma séria os crimes de abuso sexual de criança. Desde longa data que vemos outros países e outras organizações a delinearem estratégias com sucesso nesta matéria.
Quanto à prevenção, destaco a menção ao tratamento dos agressores sexuais. Este é, sem dúvida, o principal meio de combate aos abusos sexuais, não só do ponto de vista de politica criminal, mas também do ponto de vista médico e social. Os estudos realizados demonstram de forma clara que os tratamentos com base em terapia cognitivo-comportamental associado (principalmente numa fase inicial) com tratamento hormonal são de tal forma eficazes que reduzem a taxa de reincidência de 75% para 2%, e isto não pode ser ignorado.
Na perspetiva Portuguesa, temos esperança que este seja o impulso necessário para que seja delineada uma verdadeira estratégia de combate ao crime sexual. Somos um País que, infelizmente, nem sequer contabiliza a taxa de reincidência deste tipo de crime, não fazemos um acompanhamento personalizado dos condenados por crimes sexuais quer em estabelecimentos prisionais, quer após cumprimento de pena e, mais importante que isso, nunca tivemos verdadeiramente uma estratégia de combate ao crime sexual.
Se olharmos para as experiências de outros países que aplicam verdadeiras políticas de combate ao crime sexual (como o Canadá, entre muitos outros), verificamos que a implementação dessas politicas trouxe resultados extraordinários com reduções significativas deste tipo de comportamentos. Desde longas décadas que Associações Internacionais (como a Associação para o Tratamento de Agressores Sexuais – ATSA) indicam o caminho a seguir, não só do ponto de vista médico, como do ponto de vista jurídico, bem como com a indicação de verdadeiras políticas de combate ao crime sexual.
Como referimos, esta estratégia da Comissão Europeia apenas peca por tardia. Mas, como diz o velho adágio, “mais vale tarde que nunca”. Esperemos que os países da União Europeia compreendam a importância desta estratégia e, no caso Português, temos a esperança que este seja o ponto de partida para a criação de politicas de combate aos crimes sexuais de acordo com as melhores práticas internacionais.
Eu agradeço mas, mais importante que isso, as crianças e as gerações futuras agradecem.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico