Quem vier atrás, feche a porta!
Nestes milhares de consultas que não se realizaram, quantos doentes crónicos ficaram por seguir? Ou quantas detecções precoces de doenças graves, como por exemplo as oncológicas, ficaram por fazer? E nessas cirurgias que não se realizaram, quantos anos e qualidade de vida se perderam?
Sempre me pareceu que se há frase que, histórica, social e politicamente, nos defina é exactamente esta: quem vier atrás, feche a porta!
Provam-no os experimentalismos vários na decisão política, com que nos têm presenteado os sucessivos governos. Experimentalismos nas políticas sociais de apoio às famílias ou nas políticas de educação, por exemplo, que podem ter o custo de uma geração perdida nas referências e impreparada nas competências, como têm já o custo de uma geração mais velha empobrecida e esquecida, na solidão dos dias que passam lá fora.
Provam-no as nomeações absolutamente desastrosas, para administrações que se revelam mais desastrosas ainda, na sua inépcia voraz, de cujos custos somos todos nós, contribuintes, fiadores à força.
Provam-no os “pacotes de medidas”, apresentados com todo o fulgor, nas recém-estreadas legislaturas, mas que, desafortunadamente, costumam chegar ao fim dessa mesma legislatura ainda por desempacotar.
Provam-no as verdadeiras vias crucis, a que está submetido o cidadão comum que, cumpridor das suas obrigações, se embrenha em qualquer interacção com organismos públicos, centrais ou locais, por mais que nos garantam desmaterializações administrativas e desburocratizações de processos.
Provam-no a corrupção e os promíscuos compadrios, que todos conhecem (e em que todos se reconhecem), mas jamais se provam, ou melhor, jamais são dados como provados pela justiça, que, deleitada, vai dilatando o seu tempo na apreciação de recursos.
A decisão política, em Portugal, padece de um imediatismo mediático, com medidas em versão soundbite, ou o mesmo será dizer, “vamos lá ver se pega!”.
E este imediatismo mediático está a ser provado, ad nauseam, neste tempo de pandemia, em que, para aliviar a pressão sobre um Serviço Nacional de Saúde, já antes bem pouco saudável e à beira do colapso, mas, sobretudo, para evitar a má imagem perante uma Europa atordoada com os acontecimentos, o Governo português, a pretexto de ter tido tempo de “aprender com os erros dos outros”, decidiu mostrar que o país estava preparado para enfrentar qualquer pandemia, ou melhor, que o Serviço Nacional de Saúde estava preparado para enfrentar qualquer pandemia.
A questão é que o fez à custa dos milhares de consultas canceladas nos centros de saúde, ou nos hospitais, e dos milhares de cirurgias que ficaram por efectuar.
E nestes milhares de consultas, que não se realizaram, quantos doentes crónicos ficaram por seguir? Ou quantas detecções precoces de doenças graves, como por exemplo as oncológicas, ficaram por fazer? E nessas cirurgias que não se realizaram, quantos anos e qualidade de vida se perderam?
É por tudo isto que, para além dos números da covid-19, mesmo admitindo que estes sejam transparentes – honni soit qui mal y pense! –, para além dos óbitos contabilizados pela pandemia haverá, nos anos mais próximos, que contabilizar toda a doença e todos os óbitos daqueles que foram sacrificados, em nome do bom nome do país, na luta contra a covid-19.
Mas, afinal, isso será só nos próximos anos. Não é para já. E, bem vistas as coisas, alguém virá atrás, para fechar mais esta porta.