Mais Parlamento: maior escrutínio, menos espetáculo
Não existe nenhuma intenção de reduzir o trabalho no Parlamento. Existe, isso sim, a intenção de reforçar as comissões parlamentares para que o Parlamento tenha mais impacto na fiscalização governativa.
Todos a reclamam, alguns fazem muito para que ela se realize e outros fazem tudo para que ela nunca aconteça: é a reforma do sistema político em Portugal.
Quando alguém aponta para um problema complexo, há sempre quem prefira focar a sua atenção no dedo de quem aponta, em vez de a focar no problema em si. Foi o que aconteceu ao primeiro conjunto de propostas do PSD para a reforma do Parlamento, que se reduziu aos debates com o primeiro-ministro, tirando o foco da reforma séria que se pretende implementar para uma suposta intenção de redução de escrutínio público, desconsideração pelo Parlamento, falta de oposição, ou de um suposto compadrio de bloco central entre o PS e o PSD.
Nada mais errado. O que se propõe é um parlamentarismo mais forte, mas vamos por partes: o plenário não é mais “parlamento” do que as comissões parlamentares, seja do ponto de vista político, técnico ou regimental. E, portanto, não existe nenhuma intenção de reduzir o trabalho no Parlamento. Existe, isso sim, a intenção de reforçar as comissões parlamentares para que o Parlamento tenha mais impacto na fiscalização governativa, libertando espaço na agenda parlamentar para aumentar o escrutínio aos ministros e para os trabalhos em comissão.
Aliás, regimentalmente, os ministros têm a sua audição regimental de três em três meses para debates na especialidade dos assuntos da sua competência, enquanto o primeiro-ministro está de 15 em 15 dias a debater a globalidade dos assuntos. Assim, se a escolha se trata entre um debate com 5 ou 6 protagonistas a cada 15 dias a competir pelo sound byte, ou ter mais espaço para os 230 deputados estarem a analisar diretamente e setorialmente o trabalho dos ministros, eu sei bem o que prefiro.
Dirão alguns: mas o plenário tem um mediatismo que as comissões dificilmente conseguirão ter. Até posso concordar que essa seja a tendência, mas estou certo que os bons jornalistas estão também mais focados nas questões concretas do que nas questões acessórias, no episódio caricato, na resposta mais agressiva, na gaffe do dia ou na réplica menos bem pensada. Aliás, isso o mostra a cobertura exímia que foi feita a tantas comissões de inquérito, que até vieram a mostrar que deputadas ou deputados com menos mediatismo no plenário, são de facto exemplos de competência e dedicação que prestigiam o Parlamento, mas que os holofotes do plenário ofuscam, por não estarem no centro da nomenclatura partidária - e felizmente há bons parlamentares destes em vários grupos parlamentares.
Se deixamos tudo como está, na paz das regras como elas existiam, nada fazemos para contrariar a tendência de desvalorização do Parlamento. Se prometemos mudar e fazemos por mudar, temos os agentes do sistema sempre à perna.
Precisamos de mais parlamentarismo, que se consegue mais com trabalho, ainda que mais discreto, do que com mais espetáculo, por mais bonita, cénica e vaidosa que possa ser a sua coreografia à noite nos telejornais.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico