Encontro de distopias
As realidades distópicas de 1984 e A História de uma Serva não estão assim tão longe de um possível cenário futuro. Ambas espelham problemáticas da actualidade como a desigualdade de género, o autoritarismo, a manipulação, o despotismo, a repressão, o rigoroso controlo e a ausência de liberdade de informação e política.
Por vezes nas distopias há uma linha muito ténue a separar a realidade da ficção, dado que a história distópica pode representar um possível cenário futuro real e preocupante. Talvez seja esta particularidade que as torna tão enriquecedoras e alarmantes. Nesta minha caminhada pelo mundo das distopias, duas em particular me inquietaram a mente: o 1984, de George Orwell e A História de uma Serva, de Margaret Atwood. Numa rápida análise pela situação político-social da realidade mundial, o leitor consegue encontrar semelhanças notáveis entre as realidades distópicas e a actualidade.
Orwell é, para mim, uma das personalidades mais interessantes na literatura contemporânea, tendo escrito obras verdadeiramente estimulantes à reflexão e intemporais. O célebre 1984 é uma obra de excelência que, mesmo com o correr dos anos, não ficará à sombra do esquecimento numa obsoleta estante poeirenta abandonada. Hoje, e garantidamente num futuro longínquo, é um dos livros mais enriquecedores no mundo das letras e humanidades. Relativamente a Margaret Atwood, A História de uma Serva foi a primeira obra que lera e, por isso, desconhecia a sua escrita e o seu género literário, mas hoje estou rendida à história, à obra, à escrita e à autora. Na minha óptica, ambas são obras de referência a ler dado a sua riqueza no campo da reflexão e, sem dúvida, obras valiosas para a formação de cidadãos conscientes, críticos e atentos à realidade que os rodeia.
Estas duas distopias revelam-nos o poder da repressão, da manipulação e do controlo. Em Gileade e na Oceânia, a leitura e a escrita são completamente controlados, não há placo para a liberdade de expressão e informação, a população é formada para ser um ser que não questiona, que não reflecte e não emite opinião, mas, caso o ousasse fazer, o desfecho seria fatal. A repressão está fortemente presente nos dois regimes, levando a um rigoroso controlo sobre a população por meio do medo. Também as informações e notícias transmitidas eram controladas pelo regime que as manipulava e chegava mesmo a falsificar, é também claramente visível a constante propaganda política utilizada para idolatrar o regime e fomentar o ódio de modo a reforçar a fidelidade e obediência cega ao regime.
Controlar os pensamentos e as reflexões por meio dos vocábulos limitados era outra estratégia relevante. Paralelamente, o passado era vedado rigorosamente. Em 1984, com a destruição física dos documentos escritos e realização de novos que credibilizavam as informações do regime; e em Gileade o passado era apresentado pelo próprio regime como catastrófico e decadente, como forma de legitimar o presente. Distorcer e manipular eram também dois importantes sustentáculos destes regimes.
Estas realidades distópicas não estão assim tão longe de um possível cenário futuro. Ambas espelham problemáticas da actualidade como a desigualdade de género, o autoritarismo, a manipulação, o despotismo, a repressão, o rigoroso controlo e a ausência de liberdade de informação e política. Ambas as obras literárias são uma chamada de atenção, um alerta, um grito para o despertar e os cenários escuros aí desenhados não estarão assim tão longe da realidade se a população não despertar e travar o perigo a tempo.
Se o leitor ainda não se perdeu por estas leituras, vai a tempo, navegue neste mundo, mas leve como aviso que são realmente perturbantes e é frequente terminar estas leituras com muitas anotações e questionamentos.