Iniciativa reúne informação sobre impacto das alterações climáticas
A Rede de Impacto e Adaptação às Alterações Climáticas, que junta entidades dos sectores agrícola, agro-alimentar e florestal, pretende disseminar conhecimento científico sobre os impactos que os fenómenos climáticos têm sobre estas indústrias. E disponibilizou uma plataforma onde reúne artigos e projectos relacionados com a temática.
A influência das alterações climáticas na floresta é muitas vezes evocada como justificação para os grandes incêndios rurais, como os que Portugal experienciou na sua história recente e que, de acordo com os especialistas, ocorrerão com maior frequência. No entanto, os efeitos da acção humana no clima e, consequentemente, nas florestas estendem-se muito para lá dos fogos. Os pressupostos que caracterizavam o crescimento e o desenvolvimento das espécies normalmente associadas às áreas florestais sofreram alterações, desafiando todos os agentes envolvidos a encontrar novos métodos e soluções para problemas desconhecidos ainda há poucas décadas.
Foi precisamente com o propósito de munir técnicos, produtores e agricultores de informação científica útil e actualizada que a Rede de Impacto e Adaptação às Alterações Climáticas (RIAAC) foi constituída. Uma iniciativa que resulta da junção de forças entre associações dos sectores agrícola, agro-alimentar e florestal, do Instituto Superior de Agronomia e do Centro de Competências para o Regadio Nacional, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura, e que recebeu apoios do PDR 2020 e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural.
Numa primeira fase, o trabalho consistiu na recolha exaustiva de projectos de investigação e artigos científicos desenvolvidos no âmbito das três áreas incluídas na rede. A União da Floresta Mediterrânica (UNAC) foi uma das entidades envolvidas na RIAAC, precisamente enquanto representante do sector florestal. Para Conceição Santos Silva, engenheira da associação, o pressuposto inicial foi “identificar o que está feito para, de alguma forma, mitigar e adaptar o problema das alterações climáticas”. Concluída a recolha de informação, cerca de 175 projectos nacionais e internacionais foram seleccionados e compilados, assim como 298 artigos científicos.
“Para não começarmos a duplicar informação e a criar demasiadas plataformas, colaboramos desde o início com a Rede Rural Nacional”, explica Conceição Santos Silva. Na plataforma, os interessados poderão encontrar os detalhes (tais como objectivos e interlocutores) dos projectos que serviram de base às investigações. Assim, torna-se possível aos técnicos no terreno (e “que muitas vezes não têm acesso ao conhecimento existente”) perceber quem são os seus interlocutores e, posteriormente, aplicar os saberes que têm origem nos grandes pólos de conhecimento, as faculdades e institutos.
Seguiu-se uma série de reuniões informais com “salas cheias de produtores florestais e agricultores interessados” em saber de que forma poderiam, no futuro, preparar melhor a resposta das suas culturas aos novos desafios climáticos – as informações partilhadas foram igualmente incluídas em catálogos e brochuras dedicados à divulgação do projecto. A transição de um projecto de cariz pedagógico para a acção no terreno parece ser, de facto, a tarefa mais desafiadora. Para Conceição Santos Silva, questões como a “perda de vitalidade” das culturas ou o “aparecimento em maior quantidade de pragas e doenças” são as que mais preocupam os produtores, já que implicam “perdas de produtividade” visíveis no terreno e que se repercutem nas políticas de questão florestal.
Enquanto representante da UNAC na rede, Conceição Santos Silva foi responsável por supervisionar alguns dos projectos científicos. Projectos que se distinguem pela “grande diversidade”, fazendo jus à “heterogeneidade” da floresta portuguesa, mas também pela “complementaridade” que é possível estabelecer entre eles. É o caso do Life Montado, dedicado à gestão do montado de sobro dentro do contexto das alterações climáticas, do Vínea, centrado na modelação da produção e crescimento do pinheiro-manso, ou do GeoSuber, que, com recurso à detecção remota, permite a “monitorização da vitalidade do montado de sobro”, tornando possível a identificação e localização das situações de stress para uma consequente intervenção.
O contacto próximo com estes e outros projectos-piloto deixam a engenheira florestal “optimista” quanto às “potencialidades” e ao futuro da floresta nacional, com especial destaque para quatro espécies. “Tanto o pinheiro-bravo como o eucalipto, pela sua área de ocupação potencial, vão ter aumentos de produtividade, pelo menos assim se espera”, nota Conceição Santos Silva. “No Sul”, acrescenta, “com o sobreiro e na co-produção de cortiça, há estratégias que os produtores podem implementar para garantirem essa produtividade a longo prazo”. Como exemplo aponta a extracção, que poderá “passar a ser de dez em dez anos, de forma a alcançar-se um produto de maior qualidade”. Por outro lado, “com o pinheiro-manso está a ser percorrido um caminho muito interessante em termos de melhoramento da espécie, o que vai permitir identificar no médio prazo clones produtores de pinhas que são mais resilientes aos impactos das alterações climáticas”.
No que diz respeito ao futuro da Rede de Impacto e Adaptação às Alterações Climáticas, o próximo mês Dezembro marca o fim da iniciativa – que teve a sua última conferência cancelada devido à pandemia de covid-19. Ainda assim, Conceição Santos Silva acredita que o propósito da mesma terá continuidade através de “extensões dos vários projectos compilados”, das recomendações que deles resultaram e da acção de grupos operacionais que ao longo do próximo ano terão “muita visibilidade junto dos produtores florestais”, nomeadamente com acções de demonstração no terreno.