Srebrenica, 25 anos depois
Apenas 25 anos volvidos, abunda na Sérvia a negação do massacre de Srebrenica e a relativização dos crimes cometidos em território bósnio. Muitos homens e mulheres esperam ainda reparação histórica.
A 11 de Julho de 1995, iniciou-se o Massacre de Srebrenica, liderado por Ratko Mladic. Este foi considerado o primeiro crime contra a humanidade cometido em solo europeu após o fim da Segunda Guerra Mundial. As imagens de milhares de muçulmanos assassinados entraram nas casas dos telespectadores de todo o mundo e criou-se, no Ocidente, uma ideia generalizada de que eram necessárias medidas punitivas contra a Sérvia. Vinte e cinco anos volvidos sobre este massacre genocida, é imperativo que a justiça chegue, finalmente, às vítimas.
A cidade de Srebrenica, desde o início da guerra, havia sido alvo de ataques do exército sérvio, tendo sido tomada mais do que uma vez. Várias povoações próximas estiveram igualmente sob controlo das forças sérvias, tendo as populações muçulmanas sido violentadas e expulsas. A cidade tornou-se simultaneamente um centro operacional do exército bósnio na resposta aos ataques sérvios. Organizados pelos bósnios muçulmanos, estes ataques são, ainda hoje, utilizados como justificação para o massacre de Srebrenica por aqueles que o pretendem relativizar. A partir de 1993, a cidade passará a ser uma “área segura” da ONU, devendo estar devidamente protegida pelos capacetes azuis. No entanto, a suposta proteção internacional revelou-se fraca e ineficiente, reinando a fome e a miséria na cidade enclave. Em meados de julho de 1995, as forças sérvias tomam novamente a cidade. Muitos académicos consideram que a violência genocida desencadeada pelos sérvios em Srebrenica era previsível e que as tropas das Nações Unidas estacionadas no local falharam em absoluto na proteção das comunidades muçulmanas residentes. Entre 11 e 22 de julho, cerca de 8 mil rapazes e homens foram assassinados e dezenas de milhares de mulheres e crianças foram deslocadas à força.
A Guerra na Bósnia trouxe, igualmente, uma perspetiva feminista para o debate público. As violações em massa - cometidas por todos os exércitos mas particularmente pelo exército sérvio contra as mulheres muçulmanas bósnias - alertaram para a necessidade de pensar a violência sexual como parte de um programa de limpeza étnica e genocídio. A Sérvia de Milosevic encetou um processo de destruição das comunidades muçulmanas bósnias e das cidades nas quais habitavam. Clamando por uma Grande Sérvia etnicamente pura, os exércitos de Mladic assassinaram e violaram milhares de mulheres. Pretendiam assim quebrar os laços que garantiam a continuidade da comunidade, forçando as mulheres muçulmanas a carregarem crianças sérvias. As regiões da Bósnia de maioria sérvia deveriam, então, ser purificadas da presença de muçulmanos. Estima-se que cerca de 50 mil mulheres tenham sido vítimas de violação e de escravatura sexual, particularmente nas zonas do leste da Bósnia e em Sarajevo, durante o cerco.
Desde o início das hostilidades nos Balcãs, as mulheres organizaram-se e insurgiram-se contra o controlo da sua sexualidade e a violação dos seus direitos reprodutivos, sexuais e da regressão do que haviam conquistado no pós-guerra. As Mulheres de Negro, movimento feminista pacifista que começou em Belgrado, tem procurado justiça e reparação para as mulheres vítimas de violência sexual durante a guerra e alertado para o progressivo esquecimento e revisionismo histórico.
A Bósnia - antes de 1992 - era a república jugoslava mais cultural e etnicamente diversa, convivendo nas suas cidades bósnios muçulmanos, sérvios, croatas, montenegrinos, albaneses, entre outros. Sarajevo, a capital, era uma das zonas da Federação Jugoslava na qual as diferenças étnicas estavam mais esbatidas devido à longa tradição de convivência e intercâmbio cultural. Os exércitos sérvios, movidos pela convicção de que a verdadeira pureza do sangue sérvio só se encontrava nas zonas rurais e de maioria sérvia, encetaram uma guerra verdadeiramente urbicida, procurando deliberadamente destruir as grandes cidades multiculturais e cosmopolitas - para eles, símbolos de degenerescência da Sérvia. O cerco de Sarajevo, uma das operações mais marcantes de toda a guerra - que durou cerca de quatro anos - terminou com cerca de 80% dos edifícios da cidade destruídos ou danificados. A destruição da histórica Biblioteca de Sarajevo ou da Ponte Velha de Mostar são paradigmáticas desta tentativa de apagamento da cultura bósnia.
A guerra terminará oficialmente a 14 de dezembro de 1995, com a assinatura dos acordos Dayton. Estes dividiram a Bósnia numa zona sérvia - a República Srpska - e noutra bósnia e croata - a Federação da Bósnia Herzegovina - que formam a atual Bósnia Herzegovina. Vinte e cinco anos depois, o sistema político do país é ainda herdeiro destes acordos. O total dos cidadãos bósnios elege um Presidente de cada etnia e cada uma das duas zonas elege o seu próprio Presidente, primeiro-ministro e respetivo Governo e Parlamento. Este sistema é altamente complexo e ineficiente, sendo frequentemente apontado como incapaz de resolver os problemas que assolam o país, como o elevadíssimo desemprego jovem.
Entre 1993 e 2017, o Tribunal Criminal Internacional para a Antiga Jugoslávia julgou e condenou cerca de 161 pessoas por crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. No entanto, a justiça servida por este tribunal foi insuficiente. Na Sérvia, os tribunais nacionais tiveram pouca vontade de acusar e condenar os militares que haviam cometido crimes na guerra, também devido ao grande peso que o lóbi dos veteranos tem nestes países, tendo havido muitos criminosos a escapar ilesos.
Apenas 25 anos volvidos, abunda na Sérvia a negação do massacre de Srebrenica e a relativização dos crimes cometidos em território bósnio. Muitos homens e mulheres esperam ainda reparação histórica e justiça para si e para os seus familiares violados, mortos ou desaparecidos e procuram os restos mortais dos seus. Apesar das condenações em Haia dos líderes máximos do exército da República Srpska, existem centenas de criminosos por julgar e milhares de vítimas por reparar. Para elas, a guerra nunca terminou.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico