Como melhor abraçar uma causa
Ajudar de uma forma regular e sustentada é algo que ainda não está enraizado na nossa cultura. Vamos acreditar que cada um de nós pode fazer realmente a diferença e que vamos conseguir chegar mais longe para criar uma sociedade melhor, com o envolvimento, a participação e a ajuda que cada um de nós pode dar à causa ou causas com as quais mais se identifica e acredita.
Tantas vezes vi pessoas, no centro de Londres, a chocalhar enormes baldes cheios de moedas, promovendo quase a cantar, ou mesmo a gritar, a participação da comunidade em várias causas sociais. E tantas pessoas atiravam as moedas para dentro dos baldes de forma tão natural! Lembro-me de pensar imediatamente: “em Portugal isto não aconteceria.” Rapidamente a memória viajava para o universo dos peditórios que me lembro, ainda em criança, de ver em Lisboa. Em geral, eram senhoras muito cuidadas e devidamente identificadas que seguravam latas seladas com lacre e que colavam discretamente um autocolante na lapela a quem, quase solenemente, colocava uma moeda ou uma nota dobrada na ranhura da lata.
Hoje, passados muitos anos, e agora a trabalhar na Operação Nariz Vermelho (IPSS), muitas vezes me recordo desta diferença cultural. Nalguns países do Norte da Europa, as crianças desde cedo, na escola, são desafiadas a pensar na importância de ser activo na participação em causas sociais (aquilo que eles chamam “giving back to the community”). Em Portugal é bastante diferente. As pessoas unem-se e agem rapidamente em situações-limite, como temos vindo a observar nos últimos anos: grandes incêndios de Pedrogão, medicação para a bebé Matilde, doação de bens alimentares na crise de 2008 e agora durante a pandemia. No entanto, ajudar de uma forma regular e sustentada é algo que ainda não está enraizado na nossa cultura. No dia-a-dia existem ainda algumas barreiras à participação mais frequente:
“Não sei bem o que cada associação faz nem onde aplica o dinheiro.”
Infelizmente, nos últimos anos, nem todas as associações do terceiro sector têm agido de forma exemplar, o que, naturalmente, provoca um sentimento de desconfiança por parte da população, podendo afectar o sector em geral. Existem milhares de associações no nosso país com causas muito relevantes e que cumprem a missão de forma muito séria.
Uma simples busca de informação em relação às causas nas quais mais acreditamos leva-nos a um mundo de partilha de informação, transparência de actuação e partilha de resultados que facilmente nos envolve e nos quebra essa barreira da desconfiança. Vale a pena o investimento de tempo em perceber melhor o trabalho de cada associação. Pesquise e procure com o rigor que ache necessário para escolher a causa que quer apoiar.
“É importante ‘rodar’ a associação para a qual dou apoio.”
É natural cada um de nós querer abraçar várias causas e ajudar mais do que uma organização. No entanto, do lado da instituição, um apoio regular pode ser fundamental para assegurar a sustentabilidade da missão e a sua gestão mais eficiente. A angariação de fundos numa organização requer um investimento de recursos (financeiros ou não). Se as pessoas “rodarem” a instituição que apoiam, aquela que deixam de apoiar tem maiores custos em recuperar o donativo perdido e, no limite, há perda de eficiência naquilo a que se chama o terceiro sector (social). Porque não escolher as causas com as quais mais nos identificamos e escolher as instituições em que mais acreditamos e apoiá-las no médio e longo prazo? Com isto, assegura que o impacto da sua ajuda é maior.
“Não sei bem como funciona a consignação do IRS, mas de certeza que tem custos para mim.”
Todos temos de fazer a declaração do IRS e podemos doar 0,5% do imposto apurado. Esse valor, que o Estado recebe, entrega à instituição escolhida, que poderá aumentar a abrangência da sua missão. Parece fácil, aliás é mesmo muito fácil! E mais, não tem nenhum custo associado para quem o faz. Então por que razão mais de 60% dos portugueses ainda não o fazem?
Poderia dar muitos mais exemplos de como a sociedade portuguesa percepciona as organizações sociais e de que forma se envolve e participa nas várias causas, mas deixo o desafio final: vamos acreditar que cada um de nós pode fazer realmente a diferença e que vamos conseguir chegar mais longe para criar uma sociedade melhor, com o envolvimento, a participação e a ajuda que cada um de nós pode dar à causa ou causas com as quais mais se identifica e acredita. Há ainda um enorme caminho por percorrer. Quem sabe se nas nossas escolas iremos, um dia, sensibilizar as crianças para a sua participação na comunidade e quem sabe se, um dia, deixaremos de achar estranho ver os baldes grandes cheios de moedas a chocalhar alegremente?