Destemidas, mas ainda censuradas? Série “nunca foi suspensa”, garante direcção de programação da RTP2
Recomendações do provedor foram ouvidas, mas a directora de programas da RTP2 não se comprometeu com nenhuma decisão. O episódio 19 continua disponível na RTP Play e está a ser dobrada uma versão adaptada.
A história de Thérèse Clerc, a feminista francesa lésbica, que defendeu a interrupção voluntária da gravidez como um direito das mulheres, vai continuar a fazer parte do legado da estação pública de televisão através da plataforma de programas on-demand RTP Play, mas, para já, não estará na área dedicada às crianças, confirma ao PÚBLICO a directora da RTP2, Teresa Paixão, adiantando que uma segunda versão adaptada vai estar disponível no Zig Zag Play depois de alteradas partes do “texto relativo às questões do aborto”. “Havia pouco enquadramento para o público-alvo, que é dos 10 aos 13 anos”, justifica.
“Os episódios deviam estar todos no Zig Zag Play, se fosse tecnicamente possível, excepto este [sobre Thérèse Clerc]. Mas, para migrar a série toda para a RTP Play, não conseguimos manter o resto dos episódios no Zig Zag Play”, explica a responsável, acrescentando que todos os episódios vão voltar ao espaço infantil assim que possível — até lá, a série pode ser vista através da RTP Play ou na RTP2, ao final da manhã.
Diversas queixas relativas à série, feitas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e ao provedor do telespectador da RTP Jorge Wemans, levaram a que este dirigisse um conjunto de recomendações à direcção da RTP2. Em comunicado, Wemans sugeriu que o episódio fosse retirado da RTP Play e que, “em futura repetição da série, escolhessem outro horário mais apropriado para adolescentes e que não incluíssem o episódio” sobre Clerc. O provedor justificou as suas recomendações sublinhando que “a RTP não pode, nem deve, esconder ao seu público adolescente estas realidades”, mas que também “não pode, nem deve, no entanto, fazê-lo do modo como surgem tratadas no referido episódio”. O PÚBLICO tentou ouvir Jorge Wemans sobre a sua reflexão, mas sem sucesso.
Teresa Paixão confirma ter recebido a recomendação do provedor, que aceita como válida, mas recusa a ideia de alguma vez se ter comprometido com uma decisão no sentido das recomendações citadas. “O provedor recomendou e eu aceitei a recomendação”, declara, esclarecendo que “o provedor não pode determinar nada, porque o director de programas é que é soberano”.
Porém, o que, inicialmente, imperou foi a informação de que a série tinha sido retirada da grelha de programação, na sequência das queixas e obedecendo às recomendações do provedor, levando até à criação de uma petição pela reposição do programa, que conta com mais de cinco mil assinaturas.
As polémicas das Destemidas
“Se for possível tecnicamente, mantemos a série nos dois espaços: no espaço para adultos, tal e qual como mostramos na televisão, e no espaço Zig Zag, um bocadinho adaptado”, explica a directora de programas, que garante que a série “nunca foi suspensa” nem censurada — informação também partilhada num comunicado no Facebook da RTP2. “A série continua no ar às 11h30 da manhã e o público-alvo é aquele para o qual o livro foi escrito”, sublinha.
Quanto às alterações previstas para o episódio 19, sobre Thérèse Clerc, Teresa Paixão informa que as mesmas foram autorizadas pela autora, a francesa Penélope Bagieu. Porém, no Twitter, Penélope Bagieu reagiu à alegada retirada do episódio 19: “Assusta-me que um canal de televisão pública ceda a estes argumentos.”
Esta não é a primeira vez que o capítulo sobre Thérèse Clerc causa polémica. Numa entrevista ao blogue de comics The Beat, Bagieu partilhou que o capítulo do livro também gerou incómodo na Polónia, onde existe um forte movimento anti-aborto, mas a autora rejeitou o pedido para retirar a história do seu livro (não fica claro se isto ocorreu antes ou depois da publicação). “Os adolescentes podem ver [o aborto] como garantido, mas, em alguns sítios, o aborto é a principal causa da morte de mulheres e é importante saber isso”, justificou.
Nos Estados Unidos, devido a regras mais apertadas para livros infanto-juvenis, o capítulo sobre Josephine Baker teve de ser adaptado — foi necessário cobrir o peito da cantora norte-americana. Ainda nos EUA, o capítulo sobre a indiana Phulan Devi, que ficou conhecida como “rainha dos bandidos”, não chegou à edição publicada no país, devido às referências a abusos e violação de que foi vítima depois de a terem casado quando ainda era criança.
A série Destemidas estreou na RTP2 no Dia Internacional da Mulher e, segundo a sinopse do canal, conta a vida de “mulheres corajosas, que mudaram o rumo da história”. Produzida pela France Télévisions, com o apoio do Programa de Media da União Europeia, a série adapta os dois volumes de BD Culottées, editados pela Gallimard — que o PÚBLICO também editou. Os livros são o resultado de um blogue, alojado no Le Monde, onde todas as semanas, entre Janeiro e Outubro de 2016, Penélope Bagieu recorria à arte da BD para contar a história de uma mulher com “uma vida inspiradora”.
Texto editado por Carla B. Ribeiro