Quem adormece em democracia, acorda na ditadura
Sim, existe racismo em Portugal, existe desigualdade no acesso aos direitos, liberdades e garantias e somos todos culpados enquanto não formos capazes de colocar no caixote do lixo da história André Ventura e o seu partido.
Não sei a quem atribuir esta frase, contudo parece-me fazer todo o sentido nestes tempos particulares em que vivemos. Após a morte de George Floyd, o mundo inteiro levantou-se contra o racismo e contra todas as formas de exploração e opressão capitalista que têm sentenciado os povos à mordaça do opressor, amputando os seus direitos sociais e económicos.
Cada acto de impulso ou de afrontamento ao sistema que se tem vindo a perpetuar desperta, naturalmente, uma reacção por parte de quem o defende de forma incansável por estar, no fundo, a defender-se a si próprio e aos seus interesses. Não é por acaso que partidos como o Chega se vão alimentando das polémicas e das afirmações fáceis que vão sendo ditas por parte de quem luta de forma desorganizada e inconsequente. A luta per si não é sinónimo de avanço ou progresso a não ser que venha acompanhada de propostas concretas e de um projecto transformador da sociedade. Vandalizar estátuas em Lisboa não é o início nem o culminar de nenhuma revolução, é vandalismo gratuito a que André Ventura deverá estar deveras agradecido.
A discussão sobre se se deve ou não falar sobre André Ventura e outros que tais é velha, uns não o fazem para não o promover e outros falam para o combater. No que a mim me concerne, creio ser imprescindível rebatê-lo na praça pública da mesma forma que ele espalha desinformação e ódio de forma impune por todos os meios possíveis. As frases racistas e xenófobas pichadas em Lisboa não são apenas a reacção ao acto de vandalismo sobre a estátua de Padre António Vieira, são também o resultado de uma extrema-direita cada vez mais desavergonhada e sem pudor que encontra nas palavras de um deputado da Assembleia da República a sua legitimação institucional.
O clima de desconfiança e de crispação social é diariamente atiçado pelas contas dos militantes do Chega nas redes sociais que se infiltram em todos os grupos que conseguem para se fazerem ouvir, mesmo que ninguém esteja disposto a fazê-lo. Este clima é incentivado pela extrema-direita, para que a sociedade se distraia em lutas que nos separam, e perca de vista aqueles problemas de fundo que são a origem de todas as desigualdades e incoerências do país em que vivemos, nomeadamente o capitalismo. Aliás, quando este se sente atacado recorre ao método mais coercivo para fazer impor-se como sistema: a extrema-direita, o fascismo.
Não se envergonhem de identificar o partido Chega como um partido de índole fascista porque se há coisa de que não podemos prescindir é a de chamar os bois pelo nome. Frases como “Portugal é branco” merecem ser repudiadas com toda a veemência por todos os partidos democratas e, neste caso, as palavras vagas e erráticas de Marcelo Rebelo de Sousa não dão o sinal de que o país precisa para a discussão necessária sobre o tipo de país que queremos daqui em diante.
O Chega tem conseguido, através do discurso dos dogmas e das inevitabilidades, arrastar aqueles com um ouvido mais fácil para as duas fileiras e, tal como outros partidos de má memória noutros países, recorre sistematicamente ao inimigo para justificar o estado das coisas: ou é o cigano e o rendimento mínimo, o negro que não quer trabalhar, os comunistas que só querem ditaduras... André Ventura vê inimigos em todo o lado e assim não será fácil construir um país melhor. Não é com ele que contamos para o que quer que seja, não é André Ventura o D. Sebastião reaparecido e triunfante. É apenas um sujeito que se vê à imagem de Trump e Bolsonaro e sonha com uma mão de ferro a governar Portugal. Não vamos deixar.
Não podemos perder de vista que a génese de todas as desigualdades e injustiças é o capitalismo e as suas contradições, a lógica do lucro como o motor que faz avançar a sociedade. Sim, existe racismo em Portugal, existe desigualdade no acesso aos direitos, liberdades e garantias e somos todos culpados enquanto não formos capazes de colocar no caixote do lixo da história André Ventura e o seu partido, e de exigir a todos os outros que conduzam Portugal no caminho de uma sociedade mais justa, no respeito da dignidade humana e mais progressista. O racismo e o fascismo não passarão.