Chef Tanka Sapkota pôs um forno a rolar por Lisboa para dar pizzas aos mais carenciados

Chef nepalês vai servir, bairro a bairro, um total de oito mil refeições a 1720 famílias afectadas pela pandemia. Acção solidária começou esta terça-feira em Belém e na Ajuda.

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Um parque de estacionamento no estádio do Restelo, em Belém, transformou-se numa cozinha improvisada. No balcão e na indumentária dos cozinheiros lê-se “Não podemos mudar o mundo… mas podemos ajudar a melhorá-lo”. O chef Tanka Sapkota e dois ajudantes vão amassando a massa previamente feita e alinham os vários ingredientes. Em menos de dois minutos, o branco forno com rodas devolve as pizzas cozinhadas e prontas para serem distribuídas pelos voluntários. Começam a sair as primeiras das cerca de 130 pizzas que foram oferecidas durante esta terça-feira às famílias mais carenciadas das freguesias de Belém e da Ajuda, em Lisboa, as primeiras a beneficiarem da iniciativa.

Depois de no início do mês de Junho ter doado 4 mil euros - 10% da receita das entregas dos seus quatro restaurantes em Lisboa (Come Prima, Forno D’ Oro, Il Mercato e Casa Nepalesa) durante um mês - ao Banco Alimentar e à comunidade nepalesa, o chef Tanka Sapkota decidiu voltar a pôr as mãos na massa – desta vez, literalmente – para ajudar as famílias de Lisboa mais afectadas pela pandemia.

“Uma brincadeira séria”, afirma o chef e criador da iniciativa, a quem, diz sorridente, “ideias nunca faltam”. Tanka conta que já é habitual fazer este tipo acções solidárias mas antes não as divulgava. Desta vez, devido à covid-19, foi diferente. “Esta iniciativa é algo mais ambicioso”, atira. Optou por divulgar porque pretende “mostrar algo para que seja seguido por outras pessoas”. “Quando as coisas estão tão mal, temos de fazer algo, dar esse primeiro passo”, apontou o chef Tanka Sapkota.

Em Portugal desde 1996, o chef Tanka, habitualmente apresentado como o chef nepalês mais italiano de Portugal, tem na pizza uma das suas especialidades. As suas galardoadas pizzas napolitanas que figuram entre as 20 melhores do mundo e foram premiadas com a distinção Verace Pizza Napoletana, uma espécie de “estrela Michellin” das pizzas, atribuída em 2015 ao Forno D’ Oro, são o elemento central da acção solidária.

A partir desta terça-feira até meados de Julho, em parceria com a Câmara de Lisboa, o chef nepalês e a sua equipa vão preparar e distribuir, com a ajuda de voluntários, mais de oito mil refeições quentes a 1720 famílias em Lisboa, cerca de quatro mil pessoas no total. Foram muitas as juntas de freguesia que se associaram à iniciativa, assim como várias ONG, Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e associações de moradores. No total, estão envolvidas mais de 500 pessoas na acção solidária.

Depois de agradecer o contacto e a “atitude louvável” do chef, o vereador da Câmara de Lisboa, Carlos Castro, marcou presença e considerou a acção como “mais uma medida para dizer às pessoas que a sociedade civil está aqui para as ajudar”.

“Ter uma ideia é uma coisa, mas concretizar é muito mais difícil”, admite o chef Tanka. Por isso procurou o apoio da Câmara e das juntas de freguesia. “Já tínhamos a rede de parceiros montada”, explicou o presidente da junta de freguesia da Ajuda, Jorge Marques. Também devido aos efeitos da pandemia, a Câmara e as juntas de freguesia já tinham as famílias carenciadas sinalizadas para outras acções como o “mercado solidário” e a entrega de refeições e cabazes, por isso essa “base de apoio foi aproveitada” também para a iniciativa do chef Tanka, acrescenta o vereador.

Mãos na massa

A primeira acção de distribuição de pizzas aconteceu esta terça-feira nas freguesias de Belém e da Ajuda e foram preparadas ao longo do dia cerca de 130 pizzas para mais de 240 pessoas que compõe cerca de 80 agregados familiares.

Para que as pizzas sejam feitas rapidamente, de forma a chegarem ainda quentes às famílias e com “a máxima qualidade”, o chef trouxe consigo um aliado de peso que o vai acompanhar ao longo de toda a iniciativa: um forno móvel. Comprado de propósito para estas acções de cariz social, o forno atinge os 450ºC e tem capacidade para fazer duas a três pizzas, dependendo do tamanho, em “um minuto e meio, no máximo”, explica o chef.

Por um dia, o parque de estacionamento do estádio do Restelo, em Belém, transformou-se numa cozinha improvisada onde, a partir da 19h, o chef Tanka Sapkota e dois ajudantes começaram a preparação das pizzas.

“Qualquer coisa bem feita é boa”, diz. Os ingredientes sobem ao balcão, há fiambre, chouriço, manjericão, cogumelos e muito queijo e tomate. A massa feita já no fim-de-semana é amassada e ensaia um voo ligeiro. Vestidos de branco, a rigor, o chef e os seus ajudantes espalham os diversos ingredientes antes de a pizza ir ao forno. Em menos de dois minutos, uma regressa ao balcão para ser embalada e outra já está pronta a tomar o seu lugar junto à lenha.

O tráfego é constante. Não cessa o fumo a sair da longa e estreita chaminé, o forno a lenha não tem descanso, bem como os cozinheiros de serviço. Lá atrás, as caixas devidamente dobradas e os sumos aguardam. As máscaras de protecção fazem parte da indumentária geral e o gel desinfectante está bem à mão, no balcão.

Com as pizzas prontas, conta-se com a labor de vários voluntários, encarregues de levar as refeições até às pessoas. A distribuição dos jantares começou pouco depois e prolongou-se pela noite dentro. A coordenação e a rapidez são muito importantes para que as pizzas cheguem quentes às famílias, um requisito chave para o chef. De repente, há um desfile de carros e carrinhas que entram e saem das imediações do estádio para fazer as entregas.

As 14 primeiras pizzas foram entregues ao Clube Desportivo Império do Cruzeiro, na Ajuda. Em contra-relógio e com as pizzas na mala da carrinha, chegou-se à sede da instituição em menos de cinco minutos. No pátio, algumas pessoas faziam fila e aguardavam o jantar. Por momentos, os mais envergonhados não se decidiam a avançar para ir buscar uma caixa, mas os mais novos não escondiam o entusiasmo. “O número de pessoas a precisar de ajuda aumenta todas as semanas”, conta, cabisbaixo, José Monsanto, uma das pessoas que veio ajudar na distribuição na freguesia da Ajuda.

Durante os próximos dias, o chef Tanka e a sua equipa vão estar noutros bairros lisboetas para preparar e distribuir as refeições às famílias carenciadas. Depois de dar início à acção solidária esta terça-feira em Belém e Ajuda, o forno móvel vai estar em Alcântara e em Campo de Ourique no dia 17 de Junho, em Carnide nos dias 18 e 19, em Benfica a 20 e 22 de Junho, em S. Domingos de Benfica a 23, em Arroios e S. Vicente a 24 e 25 de Junho, em Alvalade a 26, no Parque das Nações a 29 e nos Olivais no dia 30 de Junho. Em Julho serão servidas no dia 1 no Beato e no dia 2 em Marvila. Esta acção prolonga-se até meio de julho, e abrange, no total, 23 freguesias de Lisboa.

Texto editado por Ana Fernandes

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