Apostar nos cientistas é uma aposta ganha

O Movimento 8% defende que se criem condições para uma carreira de investigador clara e coerente, baseada no mérito e na avaliação.

A 2 de Junho tivemos oportunidade de discutir com a Comissão Parlamentar para a Educação, Ciência, Juventude e Desporto uma aposta sem precedentes para a ciência em Portugal através da criação e aplicação do que designamos por um Limiar Mínimo de Estabilidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (STCN).

Neste momento, encontramo-nos a viver a ciência ao vivo e em direto no país e no mundo. Portugal não pode perder a oportunidade de apostar na ciência, como forma de alavancar a saída da presente crise.

Assim, lançámos um desafio à comissão parlamentar, aos partidos políticos e ao Governo: o de fazer uma aposta sem precedentes na ciência sob a forma de financiamento, estratégia, regularidade e estabilidade. No imediato, esse apoio deverá traduzir-se no aumento do financiamento disponível para um dos concursos atualmente a decorrer, por forma a corrigir as reduzidas taxas de aprovação.

É parte dessa intervenção que partilhamos convosco, de forma a que fiquem claras as propostas apresentadas pela comunidade científica junto dos nossos governantes. Antes de mais, importa contar um pouco das nossas histórias concretas, porque elas ajudam a concretizar os problemas

Um dos autores deste artigo (João Filipe Oliveira) é investigador, coordenador de uma equipa de cientistas na Escola de Medicina da Universidade do Minho, tendo-se doutorado na Alemanha há dez anos e regressado a Portugal com o apoio de uma Ação Marie Curie Intra-Europeia. Está contratado neste momento ao abrigo do programa Investigador FCT como investigador auxiliar, e até este momento captou diretamente e coordenou uma verba superior a 700 mil euros em projetos de investigação. Ficou em quarto lugar na seriação do painel de Ciências da Saúde, do Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual (CEEC - Ind) 2018 na categoria de investigador principal. Neste painel foram atribuídos apenas dois contratos a nível nacional, portanto foi excluído.

Outro dos autores do artigo (Luísa Lopes), que também esteve perante os deputados, é neurocientista e investigadora e coordenadora de uma equipa no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa desde 2008, portanto, há 12 anos. Já captou e geriu mais de um milhão de euros em projetos de investigação, entre eles o Prémio Santa Casa Mantero Belard em 2018 e um Prémio da Academia de Ciências de Nova Iorque em 2020. Regressou a Portugal da Suíça ao abrigo do programa Ciência 2007, obteve uma colocação de Investigador FCT em 2013, e conseguiu uma das três colocações atribuídas pelo CEEC-Ind 2017 a nível nacional no seu painel, para investigador principal.

Por fim, outro dos autores que também falou em representação dos cientistas nacionais (Fábio Teixeira) é investigador na Escola de Medicina da Universidade do Minho, vencedor do Prémio Santa Casa Mantero Belard em 2019, que já conseguiu mais de 400 mil euros em projetos de investigação, e falhou a obtenção de um contrato na categoria de Júnior no CEEC-Ind 2018.

Mas nós, que hoje assinamos também este artigo, somos apenas alguns dos muitos rostos do Movimento 8%, que agrega investigadores oriundos dos vários centros de investigação do país, das mais vastas áreas científicas, e que perante a baixíssima taxa de aprovação de 8% do concurso para emprego científico, o CEEC-Ind 2018, conhecida em Novembro de 2019, decidiu manifestar-se através da publicação de imagens ilustrativas nos seus centros de investigação. Este concurso selecionou apenas 300 candidatos, deixando sem salário 3331 investigadores, um resultado pobre que urge ser corrigido ainda em sede de audiência prévia.

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Adam Armada Moreira/Sanda Vaz/Movimento 8%

O Movimento 8% defende que se criem condições para uma carreira de investigador clara e coerente, baseada no mérito e na avaliação. Os países com maior impacto em investigação e inovação oferecem um sistema de colocações estáveis, sujeitas a avaliações periódicas. Estes países criam concursos anuais para colocações no quadro com uma taxa de aprovação entre 15 a 50%. Portugal, atualmente, não oferece condições para uma carreira científica estável. Os investigadores vão concorrendo a programas variados, a prazo, que mudam de tipologia conforme as mudanças governamentais. A legislatura anterior lançou várias iniciativas para a contratação de investigadores, mas estas iniciativas, lançadas de forma avulsa, sem regularidade – algumas com atrasos de quase dois anos desde a candidatura até à assinatura dos contratos –, e sem grande articulação com as instituições, apenas resultaram numa muito pequena percentagem de integração na carreira.

Face a isto, muitos candidatam-se, por segurança, a níveis de contrato inferiores à sua posição atual, por forma a aumentar a probabilidade de serem selecionados, criando assim situações de enorme injustiça: passam a receber um salário inferior ao trabalho que desempenham, competem com investigadores mais jovens que se candidatam a esses mesmos níveis, o que potencia um efeito cascata que, em última instância, resulta numa enorme dificuldade para investigadores jovens iniciarem as suas carreiras através de contratos nos níveis júnior ou auxiliar.

Ainda assim, a comunidade científica esteve e está desde sempre disponível para ajudar o país. Face à pandemia da covid-19, os investigadores tomaram a iniciativa de integrar a frente de trabalho na vertente de apoio científico às decisões das entidades de saúde, na geração de modelos epidemiológicos, realização de testes (que colocou Portugal entre os países que mais testam no mundo, criação de ventiladores, entre tantas outras iniciativas. Sinais claros da sua importância, capacidades, mérito, e excelência e proatividade em prol do bem comum. Cremos que fica clara a importância da ciência para a vanguarda e desenvolvimento de um país.

Mas muitos daqueles que foram e continuam a ser cruciais nesta luta contra a covid-19 encontram-se sem contrato ou com o futuro muito incerto, devido à pouca regularidade e à morosidade dos concursos lançados pela tutela. São estes processos que conduzem à fuga de cérebros que o Governo tanto refere querer estancar, desperdiçando a formação altamente especializada na qual Portugal tanto investiu.

Há soluções concretas, muitas propostas sobre a mesa, nomeadamente as produzidas quer pelos responsáveis das instituições de investigação portuguesas quer pelas associações de investigadores, que devem ser tidas em conta.

Urge, assim, a necessidade de aplicar medidas a curto, médio e longo prazos que promovam o financiamento regular e uma estratégia sustentável. O Movimento 8% apresentou aos deputado medidas muito concretas, nomeadamente através da criação e aplicação de um Limiar Mínimo de Estabilidade do SCTN, definindo uma percentagem mínima de aprovação (15%), a par de critérios mínimos de elegibilidade a concursos; a correção do modelo dos concursos atuais ajustando os critérios de avaliação e mínimos de acesso a cada nível; a existência de regularidade nos concursos e agilização dos processos para reduzir tempos de processamento; avaliação e implementação e discriminação positiva das instituições que apostem em quadros de investigação, com a estimulação da carreira científica.

A médio e longo prazo, pedimos que sejam estabelecidos acordos interpartidários que permitam definir uma estratégia para a ciência para a próxima década, de forma a que seja possível utilizar principalmente financiamento estrutural do Orçamento do Estado, complementado com financiamento europeu e empresarial. Deverão ainda ser definidas e respeitadas as datas de lançamento e divulgação de resultados dos concursos para contratos e projetos em todas as áreas científicas, com regularidade anual, até 2030.

Estas e muitas outras propostas foram apresentadas e fundamentadas perante os deputados e entregues à respetiva comissão parlamentar.

Os acontecimentos dos últimos meses são a prova irrefutável da importância do conhecimento para uma sociedade desenvolvida. Por isso, garantimos que uma aposta na ciência é uma aposta ganha.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

Pelo Movimento 8%

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