O reino do ódio na América que se diz livre
O que me pareceu particularmente perturbador na morte de George Floyd foi o medo com que os transeuntes abordavam os agentes da polícia, a manifesta frustração pela impotência a que estão sujeitos, não podem intervir porque têm medo da polícia.
Eu não quereria morar nos Estados Unidos da América, eu não gostava de passar muito tempo naquele país, não gostava de ser negro na América branca. Não gostava de ver pessoas a carregar metralhadoras aos ombros ou revólveres no coldre e a passar por mim no mesmo passeio. Não gostava de ter medo da polícia e não ter a quem ligar quando a polícia é o problema. Não me imagino a ter de pagar uma ambulância que me leve até a um hospital e também não me cabe na cabeça ter de pagar pela necessidade de actos médicos. Não quereria viver num país onde o sistema de saúde é privado e o medo um bem público. Medo de adoecer e não poder pagar o tratamento, medo de que os filhos dos outros sejam baleados na escola com tiros saídos de uma arma legal. Não quereria ter que assistir à violência policial e racial à vista de todos. Não, não gostava de viver nesta América branca e tendencialmente supremacista, racista e desigual.
George Floyd foi assassinado na última segunda-feira, 25 de Maio, por um polícia de Minneapolis. A polícia deslocou-se ao local onde cometeu o crime para a detenção de um homem negro de 40 anos por alegados delitos de fraude. Não importa qual foi o motivo para a detenção, não importa a gravidade do dito cujo ou sequer a resistência à detenção. Não se aplicam “mas” quando o assunto é claro: um assassinato com motivações raciais levado a cabo por um polícia cuja função é fazer com que os cidadãos se sintam seguros no sítio onde vivem.
“Não consigo respirar. O meu estômago dói, o meu pescoço está a doer, dói-me tudo. Eles vão matar-me.” Foram estas as palavras que George disse enquanto um agente lhe calcava o pescoço com o joelho e com o orgulho branco de quem considera estar a dominar alguém inferior e não merecedor de todas as garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos, independentemente da cor da pele ou classe social. Os que filmavam este crime e aqueles que por ali passavam e ali paravam exigiam à polícia que parasse, que saísse de cima daquele homem, sempre com o desprezo na cara dos agentes. O que me pareceu particularmente perturbador foi o medo com que os transeuntes abordavam os agentes da polícia, a manifesta frustração pela impotência a que estão sujeitos, não podem intervir porque têm medo da polícia.
Quem os pode censurar? Estavam a assistir a uma execução lenta e dolorosa em plena via pública. A questão que me assalta é esta: poderia isto acontecer em Portugal? Bem sabemos que também por cá o racismo é uma realidade e, de quando em vez, é manifestado pelas forças de segurança, mas nunca a este nível. O mais certo é que se as pessoas se deparassem com este cenário e constatassem que estariam a assistir a um assassinato se fizessem valer da sua força para retirar o polícia de cima da pessoa.
Na minha opinião, o racismo na América é estrutural e está tão enraizado nas instituições e em certos grupos que o povo negro e trabalhador da América nunca se sentiu verdadeiramente seguro. São mais do que conhecidos os dados que nos dizem que a maioria da população reclusa na América se trata de negros pobres, quando a esmagadora maioria da população daquele país é branca. Sim, toda a vida importa e toda ela merece o respeito e dignidade de todos, incluindo a da polícia. Os agentes foram despedidos em resultado deste acto hediondo. Não foram ainda detidos nem sujeitos a interrogatório. Pensem se tudo fosse ao contrário.
Não gostava de viver nos EUA, onde alguns estados mantêm a pena de morte em pleno 2020. Não gostava de viver nesta América onde os negros pobres são condenados logo à nascença a uma vida de segunda num país que insiste em dizer-se de primeira. Farol da liberdade? Não. Nunca o foram.