A democracia e os tiranetes
As circunstâncias que vivemos favorecem o surgimento de uma cultura de dependência incompatível com as exigências de uma democracia séria.
Étienne de La Boétie, o jovem e genial amigo a que Montaigne se refere nas suas célebres reflexões sobre a amizade, legou-nos uma pequena obra de inestimável valor teórico-prático intitulada Discurso sobre a Servidão Voluntária. O texto, escrito ainda antes de o autor atingir os vinte anos de idade e publicado postumamente em 1576, procurava responder a uma questão suscitada por um acontecimento da época mas dotada de uma pertinência trans-histórica: a de conhecer as razões que levam as pessoas a aceitar voluntariamente a tirania. La Boétie compreendeu claramente que o exercício abusivo da autoridade política só é possível porque há nos seres humanos, ou pelo menos nalguns deles, uma propensão para o consentimento da servidão. Essa estranha inclinação resulta da auto-inibição do desejo de liberdade e da acomodação a um modo de distribuição do poder assente numa hierarquização de diferentes níveis de comportamentos tirânicos. O tirano sobrevive tiranizando os tiranetes e estes, por sua vez, tiranizam todos os demais.
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