O PÚBLICO e o programa de publicidade do Governo
Merece total repúdio da nossa parte qualquer insinuação de que o PÚBLICO recebeu 2,1% das verbas do programa porque faz fretes ao Governo.
O programa de compra de publicidade institucional aos órgãos de comunicação social decidido pelo Governo gerou um compreensível coro de críticas vindas de diferentes quadrantes. Porque, ao colocar em igualdade de circunstâncias jornalismo e entretenimento, o programa subverte toda a relevância de serviço público que devia estar na base da iniciativa; porque os critérios quantitativos adoptados são, para lá de confusos, opacos e exigem que toda a informação e o completo mecanismo de cálculo que esteve na base da distribuição sejam expostos a público; porque a fórmula adoptada tanto premeia a incompetência e a má gestão como penaliza fórmulas mais inovadoras de jornalismo, como o revelam as verbas que couberam ao Observador e ao Eco.
Toda esta discussão, porém, deixou de se circunscrever aos problemas com a origem, os defeitos, erros e contradições do programa para se estender a um domínio mais sensível: o da independência dos jornais face ao Governo. José Manuel Fernandes, publisher do Observador, chega a explicar a penalização (sem aspas) do seu jornal com o facto de “não receber recados” do Governo, o que por inerência coloca todos os outros jornais na situação oposta – pela insinuação de JMF, todos os outros órgãos de comunicação social tiveram direito a fatias maiores de publicidade por supostamente aceitarem esses “recados”. Chegados a este ponto, a Direcção Editorial do PÚBLICO sente-se no dever de prestar explicações aos seus leitores.
Para começar, o PÚBLICO não defende ajudas públicas ao jornalismo – no seminário que o Sindicato dos Jornalistas promoveu sob o alto patrocínio do Presidente da República sobre a sustentabilidade dos media, o seu director assumiu essa posição pública sem reservas. Em segundo lugar, o PÚBLICO nunca pediu ajudas ao Governo. A nossa convicção é que o jornalismo livre não dispensa o envolvimento dos cidadãos e da sociedade civil. Mas, atendendo à crise estrutural que o sector vive e que foi agravada pela covid-19, o PÚBLICO não recusou liminarmente a possibilidade de haver medidas excepcionais para a comunicação social, à semelhança do que aconteceu em vários países da União Europeia. Por isso, participou na discussão do programa de publicidade do Governo, como todos os jornais fizeram. Por isso defendeu fórmulas e medidas que não tiveram cabimento na decisão final, como todos, incluindo o Observador, fizeram.
A partir do momento em que decidiu ir a jogo, o PÚBLICO dispôs-se a aceitar o resultado final. Mesmo contestando os critérios, censurando benefícios imerecidos de alguns ou penalizações injustas a outros, não nos parece fazer sentido agora questionar a quota-parte de publicidade que nos cabe, ou até recusá-la, simplesmente porque não se ajusta aos nossos desejos ou não cumpre as nossas expectativas. E é exactamente neste ponto que merece total repúdio da nossa parte qualquer insinuação de que o PÚBLICO recebeu 2,1% das verbas do programa porque faz fretes ao Governo. É aqui que se torna indispensável sublinhar a hipocrisia do Observador, que só recusa a compra de publicidade, que sempre pôde denunciar como uma ajuda directa, depois de conhecer as quotas da sua distribuição.
No PÚBLICO, a linha de separação entre a parte comercial e a editorial é inamovível e, mesmo que este programa tenha implícita a natureza de uma ajuda pública, isso nada muda. Não seriam nunca 320 mil euros de publicidade do Governo a alterar o nosso posicionamento, como não seria qualquer pacote de compra de publicidade feita por um banco ou por um construtor automóvel. O Governo sempre gastou milhões de euros em publicidade e, que se saiba, não foi por isso que o jornalismo português se afogou na dependência.
Texto actualizado às 9h21, corrigindo a percentagem do programa que caberá ao PÚBLICO