A banalidade da violência: as crianças no conflito entre Israel e Palestina
Israel prende em média 700 crianças palestinas todos os anos. O silêncio diante da violência é resultado de todo um processo de naturalização da barbárie.
No último mês, o novo relatório da Defense for Children International – Palestine (DCIP) divulgou que há mais de 194 crianças detidas em centros de detenção israelitas. De acordo com os dados, mais de 60% delas estavam em medida de prisão preventiva, ou seja, não estavam sequer a cumprir sentenças.
Além disso, mais de 70% estavam presas fora de território palestino, medida que viola o espírito do artigo 76 da Quarta Convenção de Genebra, relativa a prisão de pessoas civis em tempos de guerra, que afirma que “as pessoas acusadas de delitos serão detidas no país ocupado e, se forem condenadas, deverão cumprir aí a sua pena”. O DCIP, junto com vários outros grupos de direitos humanos, já havia solicitado a libertação imediata de todas as crianças prisioneiras palestinas em meio à pandemia da covid-19, o que só aumenta o risco apresentado pelo vírus às pessoas privadas de liberdade em condições de total insalubridade, sem recursos para manter rotinas mínimas de higiene.
O silêncio diante da violência é resultado de todo um processo de naturalização da barbárie e quase meio século de alianças entre o movimento sionista e as potências do imperialismo. A fase inaugurada com o fim do alinhamento da política britânico-sionista e a consolidação da nova aliança sionista-imperialista, com os Estados Unidos, marca essa nova reorientação tática.
A execução da política colonialista do Estado israelita se estrutura desde a Guerra Fria através da emergência de um Estado que se estabelecesse enquanto superpotência na ordem bipolar. A política baseada no proveito político e económico feito pelo movimento sionista que fez com que se aliasse a uma potência capitalista imperialista, capaz de assegurar a expulsão sistemática dos palestinos, é a prova do caráter instrumental desse processo. Características que podem ser observadas na tentativa de confinar o máximo de palestinos, roubo de recursos estratégicos (água e terra cultivável em território palestino), utilização da mão de obra barata.
Segundo o DCIP, Israel prende em média 700 crianças palestinas todos os anos. O apelo diante da emergência de uma pandemia de dimensões mundiais só demonstra o óbvio – o vírus do imperialismo, do colonialismo, mas sobretudo o vírus da indiferença faz grande parte do mundo naturalizar a violência. Medidas tímidas de boicote diante do horror com o passar das décadas reverberam a banalização da violência e da morte quando os oprimidos já não têm nome. Afinal, quando perdemos a capacidade de nos indignar?
A gradual limpeza étnica promovida pelo Estado de Israel até os dias de hoje só é possível porque segue a ter apoios de potências imperialistas. Estas apoderam-se de todas as reservas de petróleo e gás da região, e expandem sua influência política e econômica no Oriente Médio – diagnóstico que se pode comprovar claramente na relação que mantém com os Estados Unidos.
Enquanto isso, crianças são processadas como adultos nos tribunais militares israelitas, que possuem uma taxa de condenação de 99,7% para os palestinos. Com idades entre 12 e 17 anos, esses jovens representam a força motriz da luta anti-imperial e anticolonial que resiste à subserviência a um Estado que se impõe através do terror e do medo. Janna Jihad, Fawzi al-Junaidi, Ahed Tamimi, são apenas alguns nomes de jovens que nos últimos anos viraram símbolo de resistência e luta. Danos físicos, coerção e a presença negada dos pais ou advogados durante o interrogatório são práticas corriqueiras que se somam a uma outra série de violações de direitos.
Perceber as idiossincrasias do imperialismo britânico, e posteriormente dos Estados Unidos, como peças chave no estabelecimento das condições para a expansão colonialista empreendida pelo Estado de Israel até os dias de hoje nos permite compreender que nenhum projeto de poder se faz sozinho, principalmente quando jogos de interesse tentam ocultar a banalidade da violência.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico