Ansiedade, angústia, insónia: os efeitos secundários da pandemia nos estudantes
O aumento da carga de trabalho, as incertezas para o futuro e o confinamento são factores que ampliaram a ansiedade e inquietação dos universitários durante a pandemia de covid-19. Há já várias linhas de apoio para a comunidade estudantil, que vai encontrando maneiras de se adaptar à nova realidade.
Quando o P3 ligou a Daniel Almeida, o jovem de 21 anos admitiu logo no início da conversa que não era um “dia bom”, estava “sem energias para nada”. Há dias que recebe trabalhos atrás de trabalhos, que se vão acumulando. A motivação para os fazer, ou “sequer sair da cama”, nem sempre aparece. “Para além das aulas online, tenho os trabalhos finais, tenho de estudar para as frequências e, ao mesmo tempo, tenho de fazer trabalhos diários para mostrar que aprendemos o que eles estão a ensinar. É uma carga horária muito maior do que tinha antes”, explica o estudante do 1.º ano de Publicidade e Relações Públicas da Escola Superior de Educação de Viseu. E com o aumento da carga de trabalho, cresce também a ansiedade. Ao momento da entrevista, o estudante tinha cinco trabalhos para entregar e só de pensar nas aulas do dia seguinte, em que iria receber novas tarefas, já estava ansioso. “Sinto que não consigo gerir tudo tão bem porque tenho de fazer tudo no mesmo sítio. Tudo nesta secretária.”
Como ele, outros jovens universitários parecem estar a experienciar o mesmo. De acordo com os resultados preliminares de um estudo feito por psiquiatras do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, os estudantes com mais de 18 anos são um dos grupos em que as medidas de isolamento social podem estar a ter um maior impacto, agravando sintomas de depressão, ansiedade e de insónia. Os resultados do inquérito online são “surpreendentes” para os investigadores que alertam mesmo para a possibilidade de ser necessário elaborar “um plano de saúde mental ao nível das instituições de ensino”.
Rodrigo Teixeira, estudante do 1.º ano de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Nova Medical School, descreve problemas semelhantes. “Os meus níveis de ansiedade e stress aumentaram. A carga de estudo que temos normalmente já é grande, mas agora parece que os professores pensam que os dias passaram a ter 48 horas”, lamenta. Entre artigos para ler, relatórios e aulas, com conteúdo “mais detalhado do que o programa inicial”, a motivação desvanece. Tal como Daniel, estava habituado a estudar em cafés ou bibliotecas, sempre acompanhado por outros colegas. “Essa rotina que se tinha criado à volta de estudar passou a ser eu a estudar de manhã à noite em casa, o que acaba por se tornar monótono, e fica aquela sensação de que todos os dias são iguais, que não foi rentável”, relata o jovem de 20 anos.
A motivação diminuiu ainda mais, considera, porque regressou a casa dos pais, na Madeira. Sente que o seu foco está um bocado perdido. “Eu estava em Lisboa porque estava na universidade, tinha uma razão. Agora estou em casa, é diferente, não consigo sentir o verdadeiro espírito.” No Funchal, aguarda com preocupação as respostas da faculdade em relação aos exames: presenciais ou online é a questão. “Eu estou na ilha e só estão a fazer dois voos por semana. A faculdade vai dar uma resposta dia 18. Eu tenho de comprar tudo na hora, não sei se terei voo. Queria já ter as respostas para planear tudo”. Esta incerteza amplia a sua inquietação.
À espera de respostas estão também vários alunos do 3.º ano do curso de Turismo da Universidade do Algarve. Muitos estágios foram cancelados, obrigando os estudantes a adiar o fim da licenciatura. No caso de Marta Fernandes, de 21 anos, não há queixas no que toca ao volume de trabalho ou ao modelo das aulas online. Quanto ao estágio, já foi informada da possibilidade de o fazer no Verão. Porém, mal o conclua, vai seguir logo para mestrado, pois não vê grandes hipóteses de arranjar trabalho num mercado em crise.
No 2.º ano de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Ana, de 21 anos, conta que quando voltou para casa dos pais, em Vila Nova de Gaia, não conseguiu fazer nada na primeira semana. “Na minha cabeça não estava a associar que tinha de estudar em casa, estava habituada a estar na faculdade e a estudar lá. Não me importava de passar lá 18 horas, se fosse preciso”, afirma. Quando percebeu que não podia continuar a procrastinar, começou a ter mais problemas de ansiedade e até insónias.
O mesmo aconteceu com Salomé Santos. Com 20 anos, estuda na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e teve de voltar para casa, em Viseu, mas nem o “conforto” da companhia da família a acalmou. No início da quarentena, não conseguia “gerir as emoções”: “Tinha muitos ataques de pânico, chorava todos os dias por tudo ou por nada, qualquer coisa me fazia chorar”, relembra a estudante do 2.º ano de Ciências da Comunicação.
Ansiedade e angústia, o que mais se sente
Na Linha de Apoio Emocional da Universidade do Porto (Lapup), 40% das chamadas recebidas centraram-se em casos de ansiedade e até ataques de pânico. Para Sílvia João, coordenadora do serviço, a ansiedade está muito ligada “à questão académica": “Têm aparecido muitos estudantes preocupados com as avaliações, não conseguem estudar, não conseguem cumprir os prazos, têm medo de reprovar, têm muito medo de não conseguir retomar o rumo do curso”. Outro sintoma frequente é a angústia, associada tanto ao presente como ao futuro, não só porque estão “longe das pessoas de que gostam”, mas também porque estão “preocupados com o vírus”. Há ainda a insónia e algumas repostas depressivas, resultantes do confinamento.
Segundo a psicóloga, esta é uma população muito ligada aos amigos e às relações intrapessoais e, quando privada do ambiente social e académico, pode sentir muita solidão. “Lembro-me de uma situação em que [uma pessoa] sentia falta do barulho do café, das pessoas, de estar na rua a ouvir pessoas mesmo que anónimas”, relata. O serviço, que conta com 14 psicólogos a trabalhar em dois turnos, atendeu 80 chamadas desde que começou a funcionar, a 26 de Março. Recebeu ainda mais emails.
Na caixa de correio da Lapup repetem-se as mensagens de estudantes que tiveram de regressar a casa dos pais a queixaram-se de falta de privacidade, conflitos familiares e dificuldades de adaptação a uma realidade com menos autonomia e independência. “Têm alguém que ouve [o telefonema], têm pessoas com quem não se dão bem, não têm privacidade. E, por isso, nós prestamos apoio ou por email ou por chat”, descreve a responsável. E as mesmas queixas por parte de alunos deslocados têm chegado aos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra.
Também das 60 chamadas recebidas no último mês pela Linha de Apoio Psicológico em Crise da Universidade de Lisboa, 90% estavam relacionadas com ansiedade, afirma Luís Alberto Curral, director da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Cerca de 10% dos telefonemas foram reencaminhados pela linha SNS24.
No entanto, o psicólogo afirma que não existe nenhum indicador que leve a acreditar que os estudantes estarão pior psicologicamente depois da pandemia. Numa situação como esta, estes sintomas são “exacerbados” sobretudo em quem já tinha algum tipo de perturbação antes, explica. “Temos nos registos até pessoas que referem intenção de automutilação. Isto não é provocado pela pandemia, estarem confinados é um desencadeador, como podia ser a relação com os pais ou o namorado”, ressalva.
Muitos dos estudantes que ligam para este serviço já estavam a ser acompanhados por psiquiatras e até medicados, como é o caso de Jéssica Paiva, de 19 anos. A estudante não procurou nenhuma linha de apoio, mas admite que a pandemia a está a afectar. “Eu tenho muitas insónias e tomava medicação para isso, mas de momento não estou a tomar porque não consigo receita, o que está a piorar.” Para além disso, não está a conseguir assistir às aulas online por causa da má conexão da Internet, que é compartilhada com os seus três sobrinhos. “Fica muito lento e vai abaixo. Eu não consigo ver as aulas, então tenho de estudar sozinha e é claro que, ao estudar sozinha, não consigo perceber tão bem como se fossem os professores a explicar”
Já tentou contactar o Instituto Superior de Engenharia do Porto, onde está a frequentar o primeiro ano de Engenharia Electrónica, e até a associação de estudantes, mas sem resposta. Estar fechada em casa, sobrecarregada com trabalhos, está a piorar a sua saúde mental. E não só. Jéssica conta que, num teste recebido há uma semana, a melhor nota do curso inteiro foi 10,75 valores. Algo que não é comum.
Num questionário online feito pela Universidade de Lisboa, respondido por um quarto dos estudantes, cerca de 60% admitiram sentir ansiedade ou stress em relação à incerteza do futuro. Segue-se a preocupação com o percurso académico, “por exemplo, não serem capazes de trabalhar no meio, de não conseguirem render o mesmo que conseguiam”, explica Luís Alberto Curral. Em terceiro lugar, surge a preocupação com os entes queridos. Ana, que já conseguiu regular o sono e a produtividade, ainda sente esse receio. No início, tinha medo de voltar a casa doente e contagiar a família porque estava a ter aulas no Hospital Santa Maria. Agora, a preocupação recai sobre a mãe, que continua a trabalhar, e pode infectar o pai, que faz parte do grupo de risco.
Estratégias para enfrentar a pandemia
Luís Curral alerta que o isolamento e o aborrecimento são grandes factores de mau estar psicológico e, por isso, é necessário encontrar mecanismos para lidar com a situação actual. “O número de chamadas que nós temos é abaixo do que esperava ter. Isso tem a ver com as pessoas estarem a encontrar outras estratégias”, diz o psicólogo.
Para Salomé Santos, a solução foi estabelecer uma rotina estrita. Deita-se perto das 22h30, “o que é mesmo muito cedo para um estudante”, e acorda cedo, por volta das 7h. “Às vezes, vou correr com a minha irmã ou o meu pai, outras vezes faço a minha rotina normal. Mas estou mesmo a obrigar-me a viver uma rotina que não me deixe cair nessa espiral de ansiedade e de insónias.” Para além disso, passou a praticar mais frequentemente meditação. “Acho que é um mecanismo muito bom para termos clareza na mente”, diz.
Daniel encontrou o escape na literatura. Desde que a quarentena começou, já leu cinco livros. “Se eu não arranjar outras coisas para fazer estou sempre no telemóvel ou no computador e passo o dia em frente a ecrãs. É um hábito terrível e, por isso, comecei a ler mais, e é o que me faz mais feliz agora”. A estratégia mais frequente, e mencionada por quase todos os estudantes com quem o P3 falou, é a prática de exercício físico em casa, mesmo agora em desconfinamento. Ou então caminhar ao ar livre, sempre com medidas de segurança. Rodrigo, por exemplo, tem guardado meia hora do seu dia, pelo menos, para fazer exercício em casa e “dar uma volta” pelo jardim do prédio. O seu truque para uma rotina saudável é equilibrar as horas de estudo com o tempo para “arejar”. E está a resultar.