Capas para pranchas feitas com fatos de surf? Inês salva tecidos “em fim de vida”

Inês Catarino divide o seu tempo entre o mar e o atelier, em Peniche. Os produtos da marca Flahica são feitos a partir de fatos de surf velhos e restos de tecidos.

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Daniel Espírito Santo

As capas para pranchas de surf são o produto principal da marca Flahica, mas também há capas para portáteis ou telemóveis, carteiras, pantufas, chinelos, sacos e alças para máquinas fotográficas, colchões de ioga e mochilas. Tudo isto feito a partir de neoprene reaproveitado de fatos de surf já demasiado velhos para serem usados e restos de tecidos vintage de colecções ou armazéns.

Dizem que regressamos sempre à terra, mas Inês Catarino regressa sempre ao oceano. “Sempre tive um amor muito forte pelo mar”, confessa ao P3. O surf está na sua vida desde miúda”: quando ia de férias com os pais, adorava apanhar as ondas – “nem que fosse numa pranchinha daquelas de esferovite na brincadeira” – e escolhia sempre as revistas de surf quando passavam no quiosque para comprar algo para ler na praia. Na altura, ainda nem sabia o que era subir a uma prancha, mas já tinha “aquela paixão pelo surf e a vontade de começar a surfar”. Não demorou muito até começar a fazer bodyboard com os amigos e, mais tarde, “a surfar mesmo”.

Da prática do desporto até desatar a fazer capas de surf “foi uma coisa muito natural”, ainda que tenha acontecido por etapas. “Sempre soube costurar o básico, aprendi com a minha mãe e com a minha avó”, conta. Um dia, estava sentada num bar da praia com amigos, entretida a costurar uma mala, quando um amigo a desafiou para fazer uma capa para a longboard que tinha acabado de comprar. Desafio aceite: a capa foi feita e mais pedidos começaram a surgir.

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Umas semanas depois, Inês partiu para a Austrália – porque, de facto, regressa sempre ao mar. Jogou andebol durante muitos anos e até integrou a Selecção Nacional, mas abandonou o desporto porque o seu coração pertencia a outro. Ainda ingressou em Medicina com o estatuto de atleta de alta competição e concluiu o curso, mas sentiu que não estava destinada a exercer. “Então decidi fazer um ano sabático, para tentar perceber o que realmente queria fazer da vida e comecei a dar aulas de surf.” Na Austrália, quis “saber e aprender mais” sobre surf e tirou um pequeno curso para melhorar a qualidade das suas aulas. A fazer a mala para a viagem de regresso, usou o fato para proteger o portátil e concluiu que o material poderia sem bom para o efeito. Já em casa, costurou uma capa para o seu computador e apercebeu-se do que tinha em mãos.

Aos poucos, nascia assim o projecto Flahica. Baptizado com a alcunha que usava para se registar em videojogos em miúda, Inês, agora com 32 anos, explica como o trouxe ao mundo. “Os surfistas têm muitos fatos velhos em casa que já não usam e nem sabem o que fazer com eles. Sendo instrutora de surf, também comecei a perceber que as escolas precisam de renovar os fatos e que não dá para reparar tudo, então acabam por ir para o lixo, quando o neoprene em si ainda pode ser usado.” Reutilizar e dar uma nova vida a estes tecidos pareceu-lhe uma boa oportunidade – e uma boa solução ecológica. Nas peças mais pequenas usa neoprene e forra com tecidos vintage; nas capas para as pranchas também usa esponja normal, “senão ficariam muito pesadas”.

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Os materiais vêm de vários sítios. Inês diz que muitas pessoas já conhecem o projecto e contactam-na para lhe trazerem fatos de surf antigos; outras vezes, é ela que faz recolhas na zona onde vive, em Peniche. Os tecidos também são muitas vezes oferecidos – “muita gente já me traz roupa antiga que já não consegue usar e nem dá para reparar de tão rota”. Paralelamente, compra material a armazéns, tecidos de colecções antigas ou tecidos que têm alguma mancha e não podem ser vendidos. Reutilizar materiais é a essência de Flahica e, por isso, tudo pode ser aproveitado, nem que seja “apenas um pedaço”. Também tem uma parceria com a Circular Wear, “que é um projecto de swap spots para partilha e troca de roupa”. As peças que “já estão mesmo em fim de vida” são entregues a Inês para ela as reciclar.

Tendo começado no início de 2017, Inês já tem um atelier, o seu “espacinho” numa garagem arrendada na freguesia de Ferrel. “Os clientes podem contactar-me e passar cá, escolher os tecidos que querem, falar comigo, ver um bocadinho do processo. É tudo muito acolhedor.” Admite que já fez “um pouco de tudo”. Como o seu serviço é bastante personalizado, cada produto depende “do que o cliente necessita”. As pantufas e chinelos que começou a desenvolver recentemente ainda só têm neoprene e tecidos vintage, mas está a “tentar arranjar uma sola sustentável para se poder andar na rua e não ser só chinelo de casa”. Também está numa fase inicial da elaboração de botas e está a pensar “criar uma espécie de bolsinha térmica para as garrafas de água reutilizáveis. “E vão surgindo sempre ideias novas.”

Para lá de manter sozinha a marca, Inês Catarino é instrutora de surf — como freelancer, mas sobretudo para o Surfers Lodge de Peniche. A pandemia do novo coronavírus deixou as aulas em stand-by, mas a agulha de Inês nunca parou de coser. Os pedidos de ajuda ouvidos pelo país todo também foram ouvidos no atelier de Peniche: Flahica está agora a costurar máscaras para oferecer a quem delas precisar.

O negócio continua – e agora com ainda mais tempo disponível. Pelo Facebook ou pelo Instagram (“estou a desenvolver o meu website ainda”), a porta está sempre aberta para encomendas, enviadas para todo o país e mundo. Os preços variam entre os 15 euros (capas de telemóvel) e as 85 euros (as capas das pranchas das pranchas mais pequenas). Inês Catarino está desejosa de voltar ao mar, mas não está preocupada: sabe que a ele sempre regressa.

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