A modernidade como pontapé na bunda
Esta é a terceira conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
Pelos mesmos dias de Outubro e Novembro de 1755 em que Benjamin Franklin andava por Filadélfia a tentar convencer a assembleia da Pensilvânia a alterar as políticas radicalmente pacifistas do fundador William Penn, ocorria do outro lado do Atlântico um daqueles acontecimentos de que se diz que “mudam o mundo”. Nove em cada dez vezes, não é verdade. Esta é uma das outras.
No dia 1 de Novembro de 1755, de manhã, um sismo destruiu grande parte de Lisboa e foi seguido por um tsunami e cinco dias de incêndios que destruíram o resto — ou pelo menos assim pensou o mundo. As notícias chegaram rápido a todo o lado — de folheto, de carta, de livro. Mas antes disso chegou a muito lado a própria realidade do fenómeno descontextualizado. Horas depois de ter atingido a zona ribeirinha de Lisboa, o tsunami atravessou o Atlântico e foi detectado em Boston. Só semanas depois os colonos americanos puderam relacionar o que se tinha passado com os sermões que lhes chegavam agora um pouco de todo o lado e que davam o terramoto de Lisboa como um castigo divino. Ora, uma das razões por que o Grande Terramoto efectivamente mudou o mundo é porque essa primeira reacção, essa primeira explicação, teve pernas curtas.
No imediato, um dia que muda o mundo não muda a opinião de ninguém: toda a gente continua a achar o que já achava, mas com mais intensidade ainda. É apenas depois que certas opiniões se tornam insustentáveis, e é apenas muito depois que a queda dessas primeiras opiniões leva o resto de um sistema de crenças por arrasto.
Esta é a terceira conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
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