25 de abril sempre!
A sessão solene do 25 de abril vai realizar-se e muito bem. Mas os serviços do Parlamento voltaram a negar, mais uma vez depois de tantas, o papel dos deputados enquanto órgão de soberania.
Se cada um dos agentes políticos olhar para si próprio e conseguir inventariar os grandes erros que praticou, as imprudências que não voltaria a cometer, as omissões que constatou posteriormente, as certezas que se não vieram a verificar mas pelas quais lutou, se esse político for minimamente sério não sairá à rua para criticar Eduardo Ferro Rodrigues na sua decisão, quase obsessão, de fazer comemorar o 25 de Abril na casa da democracia.
Está claro que poderíamos encontrar muitas formas, mais tradicionais ou mais imaginativas, para essa efeméride, mas o que não podemos esquecer é que as grandes críticas escutadas se situaram em campos onde a comemoração é uma espinha cravada na garganta.
O presidente da Assembleia da República exerce a função há quase cinco anos. Será o terceiro presidente (os restantes foram Almeida Santos e Jaime Gama) mais longevo neste tempo que levamos de democracia e liberdade.
Não será por acaso que assim aconteceu e acontece. Sabemos que Ferro é uma personalidade mais sanguínea, que o seu percurso e as suas chagas partidárias o fazem menos formatado, para muitos menos institucional. Mas é um grave erro desconsiderar o seu papel na consolidação da democracia, na governação solidaria do país e na afirmação do parlamento.
A anterior legislatura não nasceu normal, mas fez-se normal pela “quadrangulação” das opções políticas entre o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro e o então presidente do Grupo Parlamentar do PS. No parlamento, salvo raras exceções, a cada dia se confirmava a boa escolha de Ferro para o exercício das funções e a cada tempo se asseverava um crescente prestígio do parlamento, mesmo com os conhecidos episódios que lhe atacaram a saúde.
A confirmação recente, de que Portugal entrou definitivamente no grupo restrito de países com democracia plena, deve-se, também, a todos os que fizeram da legislatura anterior o tempo em que se venceu a barreira de um certo arco da governação para se afirmar o Portugal inteiro das opções populares e parlamentares.
O parlamento português, em especial o seu presidente, terão, no anúncio da pandemia que nos ataca, distanciado os efeitos que ela poderia vir a ter. Não se pede a cada um dos 230 deputados que tenham a obcecação (quase doentia, como parece ser o nosso caso) pelas crises ou pelas catástrofes e, por isso, compreende-se uma certa indecisão, até resistência inicial, na aplicação de medidas exigentes numa casa onde todos entram e ninguém pergunta onde estiveram.
Depois da declaração do estado de emergência, o parlamento esteve globalmente bem e os partidos souberam encarar a circunstância. Há, porém, um problema – a redução significativa da presença e da atividade de dois terços dos deputados não se compagina com o exercício democrático da função nem com a permanente sindicância e, com urgência, deve ser ponderada. Se a democracia não se suspende e o parlamento não deve fechar, não pode esse parlamento resumir-se a uma oligarquia, mesmo que benigna e autorizada, que obsta a expressão livre e total dos deputados.
Será essencial, neste tempo que se aproxima do fim do estado de emergência, que o parlamento elabore e aprove inovadoras normais regimentais que permitam a realização obrigatória de reuniões de Comissão por videoconferência; que o plenário possa também funcionar com apertadas regras de segurança, com uma parte fixa de deputados escolhidos pelos partidos e outra sorteada para cada sessão, presentes na sala, mas os restantes obrigatoriamente em videoconferência, com registo de presença, apuramento do quórum e verificação das votações.
A sessão solene do 25 de abril vai realizar-se e muito bem. Mas os serviços do Parlamento voltaram a negar, mais uma vez depois de tantas, o papel dos deputados enquanto órgão de soberania.
O argumento de que há umas dezenas de entidades que precedem os deputados no Protocolo do Estado é um erro de palmatória que importa corrigir para o futuro. Quando os 230 deputados estão reunidos o protocolo extingue-se nas precedências, porque é o órgão e não cada um, porque é o povo e não cada deputado. Teria sido muito relevante que o parlamento entendesse isso e esse entendimento impediria o lamentável trilho de recusas e de descontentamentos.
Neste 25 de abril, bastariam grupos reduzidos de deputados, uma representação do governo, os presidentes dos Tribunais Superiores (também eles, como um todo, órgãos de soberania) e o Presidente da República. Nesta formatação nunca esquecer que há uma outra entidade plural que, não se revelando titular de órgão de soberania nem tendo presença na lista do anacrónico Protocolo de Estado, se afiança central no espírito e na comemoração de Abril – a comunicação social. Não há liberdade sem imprensa livre e que ela se sente no hemiciclo antes de todos os outros.
Que Abril se viva. Que se garanta com regras de segurança que possam ir além das que são impostas aos portugueses, dando o exemplo. Talvez não fosse mau, mesmo sem termos uma DGS a impô-lo, que os deputados usassem máscara de proteção e negassem os aglomerados que noutros anos obrigavam a uma Grândola única de tão bem dita. Haverá mais Abril para que essa Grândola, vila morena nunca morra.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico