O desafio de comunicar a incerteza e o papel dos comunicadores de ciência
A incerteza científica é uma propriedade inerente ao método científico. Os cientistas transformam incertezas (perguntas) em certezas (factos), sendo que ao longo deste processo são geradas novas perguntas.
A ciência tem como objetivo perceber o mundo. Para isso, há cientistas dedicados a coisas tão diversas como o movimento de um cardume, a origem do Universo, o tratamento para uma doença rara ou o envio de um satélite para observar o mais longínquo dos planetas. Explorar o desconhecido, observar, questionar, colocar hipóteses e testá-las, analisar resultados e discuti-los e voltar a questionar – este é o trabalho diário dos cientistas.
Por seu lado, a comunicação de ciência tem como objetivo a partilha do conhecimento científico, a promoção do diálogo e o envolvimento dos diferentes públicos nos assuntos em que ciência pode (e deve) intervir. Para isso, os comunicadores de ciência fazem uso de diferentes ferramentas e técnicas, adaptadas a cada público, de forma a que a ciência saia mais facilmente da esfera da comunidade científica e chegue à sociedade.
Enquanto comunicadoras de ciência integradas em centros investigação nas áreas das ciências da vida e da saúde, vivemos hoje o maior desafio das nossas carreiras – por um lado, lidar com uma quantidade absurda de dados e informação que nos chega a todas as horas, partilhada em simultâneo e proveniente de diferentes partes do mundo e, por outro lado, a necessidade de reacção rápida face aos diferentes cenários, aliada a uma urgência na tradução, adaptação e enquadramento do conhecimento científico à luz das estratégias de saúde pública adoptadas pelo nosso país. Acresce a este cenário, já de si complexo, a incerteza – aquela que se tornou uma das palavras na ordem do dia.
Mas de onde vem esta incerteza? A sua origem está intimamente ligada à complexidade do mundo e das perguntas que a ciência tenta responder. Se hoje não conseguimos ter todas as respostas sobre a pandemia que atualmente vivemos, isso não é sinónimo de ignorância ou desconhecimento, mas sim o resultado da combinação entre um problema de enorme complexidade e o facto de estarem a ser constantemente publicados novos dados sobre os diferentes tópicos relacionados com esta pandemia – da biologia do vírus à sua transmissão, da resposta imunitária ao seu diagnóstico ou terapêutica.
A incerteza científica é uma propriedade inerente ao método científico. Quando existe incerteza não significa que o resultado, hipótese ou teoria esteja errada. É, antes, uma medida que nos indica o quão algo é conhecido. Os cientistas aprenderam a lidar com a incerteza porque se regem por uma espécie de compromisso de transparência – por um lado, os protocolos experimentais, as técnicas e as ferramentas de análise são acordadas e partilhadas e, por outro, os dados e os resultados gerados são alvo de constante escrutínio e análise entre cientistas. Assim, os cientistas transformam incertezas (perguntas) em certezas (factos), sendo que ao longo deste processo são geradas novas perguntas.
Mas, no contexto de pandemia em que vivemos, surgem frequentemente perguntas e preocupações em conversas, entrevistas e conferências de imprensa para as quais nos deparamos com a ausência de respostas do tipo “sim” ou “não”. E a sociedade não está preparada para esta incerteza.
Será a comunicação de ciência capaz de nos ajudar a melhor navegar neste contexto de incerteza? Como podemos contribuir para uma sociedade capaz de enfrentar a incerteza?
A ciência que habitualmente comunicamos é a ciência dos resultados, das conquistas, dos grandes financiamentos. É a ciência que dá respostas e, se possível, que oferece certezas e soluções. São raros os exemplos em que falamos dos resultados inconclusivos, dos estudos contraditórios, da ausência de consenso ou que debatemos as diferentes formas e modelos de interpretar e avaliar os dados. Ainda assim, por considerarmos que mais do que simplificar o conhecimento científico, é nossa missão revelar, expor e explicar como é que a ciência funciona e temos vindo a trabalhar com equipas de cientistas e de comunicadores que, ao longo dos últimos anos, levaram diferentes públicos em autênticas viagens pelo processo científico. Embora pontuais, estes projetos, onde são explorados os aspectos mais fundamentais do processo científico, incluindo a incerteza, contribuem para a transparência do método e do seu ensino, ao mesmo tempo que estimulam o pensamento crítico, baseado na evidência.
Mas se a incerteza, apesar de ser um aspecto tão fundamental da ciência, é algo que raramente comunicamos, talvez este seja o momento para perguntarmos: porque não o fazemos mais frequentemente? Será porque ao comunicar a incerteza poderemos correr o risco de levar o público a perder a confiança na ciência e nos cientistas? Estaremos nós, cientistas e comunicadores, munidos de bons métodos para comunicar a incerteza?
Acreditamos que os gabinetes de comunicação de ciência podem ter um importante contributo na comunicação da incerteza científica e um papel instrumental para a capacitação de uma sociedade mais participativa, preparada para questionar e melhor compreender o mundo à sua volta.
Um dos motores para esta mudança em que acreditamos é o trabalho colaborativo. E esta é uma realidade que sentimos hoje, mais do que nunca, entre gabinetes de comunicação de vários institutos de investigação na área das ciências da vida. Se até há um mês, a preparação de comunicados de imprensa conjuntos ou a organização de eventos públicos com cientistas de vários centros eram, talvez, os exemplos mais comuns da colaboração entre gabinetes de comunicação, agora não há um dia que passe sem que vários colegas se reúnam, troquem informação e desenhem estratégias conjuntas para promover o esclarecimento e o envolvimento da sociedade.
A crescente complexidade dos desafios que enfrentamos enquanto sociedade, onde os problemas são cada vez mais multidimensionais e transdisciplinares, exige que sejam unidos esforços e integradas necessidades, experiências e conhecimentos provenientes dos vários agentes. Sairemos todos a ganhar se, desta situação absolutamente excepcional, conseguirmos manter o espírito colaborativo, aplicando-o tanto às nossas tarefas quotidianas e projetos mais desafiantes, como ao trabalho com diferentes agentes societais e representantes da sociedade civil: autarquias, escolas, centros de Ciência Viva, museus, colectividades, entre outros.
As autoras escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico