A sociedade cansada num estado de emergência em saúde pública
A doença provocada pelo SARS-CoV-2 veio mudar o nosso paradigma de felicidade. Tínhamos uma teoria. E morreu com o vírus. Afinal éramos felizes e não sabíamos.
A comunidade científica divide-se e digladia-se. Por um lado temos o presidente das escolas médicas que defendeu e defende, como eu, a redução de risco, através do confinamento, encerramento de fronteiras e máscaras. Por outro, sempre com a imagem sombria do ex-director-geral da Saúde, protegido da ministra da Saúde, temos o Conselho Superior de Saúde Pública, não se devendo confundir com o Conselho Nacional de Saúde, que defendeu o não encerramento de escolas, entre outras alarvidades.
Perante tal evidência, insurgiram-se uns contra os outros pela bestialidade que foi emanada do Conselho Superior de Saúde Pública. Mas as escolas médicas exigem a protecção com o uso de máscaras, à qual a ministra da Saúde e a DGS finalmente anuíram e a DGS assim o comunicou, e a divulgação dos dados epidemiológicos, de modo a que se possa fazer uma análise – em diferentes patamares da ciência –, que a DGS não disponibiliza. A DGS exige aos investigadores que acedam à plataforma e se inscrevam, explicando num acto de censura que certamente tem o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) por trás. Ou, quem sabe, algum prócere mais famoso que a fama.
É necessário o levantamento de dados. Quero desenvolver um estudo para auscultar quais as estratégias de comunicação em saúde pública que existiam nas regiões de saúde e nas localidades de cada um ou grupos de cidadãos ou pessoas infectadas. Precisamos de conhecer as políticas de redução de riscos, através da comunicação em saúde, que previnam comportamentos. E inscrevi-me. Para saber mais detalhadamente a identificação do registo da pessoa infectada (o SINAVE - Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica com reporte médico), dia e mês da idade, data do primeiro resultado positivo do laboratório (o SINAVE Laboratório), data de início, sexo, hospitalização, tratamento intensivo, resultado, local de infecção, condição prévia, outros pré-requisitos, suporte respiratório.
Entretanto, elogio este valoroso povo. Há muitos portugueses que, incluo-me, não se revêem na direcção da TVI, que permite que se diga que o povo do Porto é iletrado. Este povo, tal como outro mais a norte ou noroeste ou nordeste, de norte a sul, este/oeste é nobre e valoroso. Mas, a nossa angústia e o cansaço aumentam. Falamos mais tempo ao telefone e dispensamos mensagens. É necessário ouvir a voz de seres humanos e desligar os sms e o Twitter ou outras redes sociais.
Este confinamento, num Estado ainda de emergência, veio obrigar-nos a uma reflexão sobre a teoria da felicidade. Esta teoria coloca-nos muitas dúvidas. Se a saúde é a ausência de doença ou pode ser definida pela presença de recursos de saúde positivos? O optimismo influencia a saúde e a doença? O que nos diz o optimismo perante as doenças infecciosas (Doyle et al, 2006)? Verifico um de quatro comportamentos nesta comunicação de desgraça.
Se por um lado temos numa relação de estrela de quatro pólos, a comunicação activa e passiva e a destrutiva e construtiva, classifico esta forma de comunicar do Ministério da Saúde como sendo activa, mas destrutiva. Temos emoções negativas, com foco em questões negativas, a oralizar (culpar o vírus), numa tentativa de ordenar/discordar e criticar/julgar, nas defesas que abre. Esperava mais uma política de comunicação que nos acarinhasse, sim precisamos disso!
Onde fosse previsto emoções positivas, um interesse genuíno e não um ego, o entusiasmo com que a imprensa nos brinda, às vezes muito chorosa..., explorar soluções conjuntas e não autoritárias, compreender, envolvendo as farmácias como foi proposto e não ignorá-las — como fez —, gerar uma empatia, e elogiar/aprovar em vez de apenas relatar mortos e casos.
A saúde pública e a sua eficaz comunicação em situação de emergência obriga à estreita articulação com todos os autarcas. E, em todos os concelhos portugueses, excluindo os de grande densidade populacional, como Lisboa e Porto, a política de proximidade é um bem maior. Ouve-se mais depressa um autarca que um desconhecido delegado de saúde de um concelho ao qual se pode aleatoriamente pertencer.
A disponibilização em massa dos testes de diagnóstico foi uma das medidas mais importantes e a chave para a redução da transmissão na Coreia do Sul. Mas não está a ser em Portugal. Uma mãe positiva e assintomática vê o teste recusado pelo SNS a um de vários filhos com quem contactou. A disseminação, por assintomáticos, com infecção por SARS-CoV-2, pode estar a alimentar o crescimento silencioso da epidemia, como acontece em Itália e Espanha.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) lembrou às autoridades sanitárias de todo o mundo que, para o controlo da covid-19, é necessário “testar, testar, testar”. Esta medida, em forma de recomendação da OMS, deveria ser alvo de articulada estratégia de comunicação às populações alvo, de profissionais a grupos vulneráveis, também no nosso país, mas não foi. Concluo que tudo o que represente gastos imediatos é travado. Focando-se em tratamento. E, quanto a nós, fechar, fechar, fechar (em casa).
Testar, testar, testar. Para isso, é necessário comunicar e informar com urgência a população. E não compreendo, numa escala regional, a insurgência da delegada de saúde de Bragança contra o autarca de Torre de Moncorvo, que não é convocado por ela para as reuniões. Será que sabe do seu papel determinante em situação de emergência nacional e regional? E a ameaça, com processo judicial, devido a importância de testes serológicos que ele defende, e ela, cheia de sabedoria, não consulta quem de direito, como é o Centro de Medicina germano de Sousa do ex-bastonário da Ordem dos Médicos, chamado a ajudar, repito, ajudar o SNS, sem capacidade de resposta.
Convinha que a senhora delegada lesse o “Immunity after SARS-CoV-2 infection, Rapid Review, Covid-19 rapid response”, em que os testes serológicos, devidamente validados, revestem-se de enorme importância e são cruciais para fazer a identificação e caracterizar o estado de imunidade dos doentes eventualmente infectados com covid-19.
Neste contexto enquadram-se pessoas que tiveram sintomas anteriores à entrada em Portugal do 1.º caso documentado; pessoas a quem foi valorizado o quadro clínico por não existir ainda contexto epidemiológico covid-19; pessoas que foram contactos de doentes confirmados, assintomáticas ou não; pessoas que não puderam ter acesso aos testes RT-PCR em tempo útil e possam ser considerados eventuais hospedeiros do reservatório viral. Os testes são ainda importantes para estudos epidemiológicos, porque permitem conhecer a taxa de infecções assintomáticas e ajudar a revelar a verdadeira extensão dessa taxa. Quando se trata de infecção aguda, o teste validado é em técnica de biologia molecular e não o serológico.
Haja laboratórios da academia, como os da Faculdade de Medicina de Lisboa, e privados para ajudarem numa causa que é de todos. Isto não é para politiquices mais obscuras que conduzem a mais casos e mortes. Afinal, em breve seremos entregues à vida de onde não queríamos ter saído. Quem falhou? Ocorre perguntar. E não se antecipou ainda mais? Queremos regressar à nossa vida. É urgente que se preparem as pessoas para o caminho da liberdade, que se deve ler: imunidade. Éramos felizes e não sabíamos. E, com a lição aprendida, queremos voltar a ser.