Covid-19: o turismo, que futuro?

Está mais claro do que nunca que o modus operandi do sector do Turismo está obsoleto e não tem capacidade de resposta perante situações adversas.

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Nuno Ferreira Santos

Passados tantos dias de quarentena, continuo a fingir uma rotina diária que consiste em aprimorar os meus dotes culinários, treinar como se estivesse no ginásio, ler, informar-me, rir dos momentos mais sombrios, partilhar vídeos divertidos com a minha mãe e, acima de tudo, manter-me sã e mentalizar-me que não estou sozinha. No entanto, a realidade é outra e bem diferente. É aquela que se esconde atrás de um cortinado ajeitado, de uma persiana puxada e de uma janela entreaberta para que “o ar puro entre”. Essa frincha de ar é um balão de oxigénio que não chega a todos, quando nos deparamos com dados concretos e precisos sobre o estado de saúde do turismo. 

Efectivamente o sector hoteleiro será um dos mais afectados no mercado e o que mais perdas terá. Só em 2018 as actividades ligadas ao sector hoteleiro, à restauração e similares empregavam mais de 328 mil indivíduos, representando 6,7% do total da economia desse mesmo ano. A Balança Turística registou um saldo de mais de 16 840 milhões de euros, mais 6,3% que o ano anterior, sendo que a 79,9% das receitas turísticas foram geradas por mercados europeus, seguindo-se o continente americano com 12,2%.

O Algarve, destino “Sol e Mar”, como muitos o intitulam, vive maioritariamente do sector hoteleiro, visto que todos os serviços que o rodeiam e todas as empresas que aí operam, ainda que com actividades distintas, trabalham em cadeia, dependendo umas das outras. Uma cai, caem todas, chama-se a isto o efeito dominó. A população algarvia ascende os 440 mil habitantes, existem 817 alojamentos turísticos dos quais 158 são unidades hoteleiras, o que revela que muitas são as famílias a depender dos rendimentos destes espaços directa e indirectamente. A rapidez com que o sector se desfragmentou foi de tal forma abrupta que fez estremecer (ou deitou abaixo) os orçamentos das empresas previstos para este ano, com as suas estratégias delineadas e os planos de acção definidos.

É óbvio que foram tidos em conta os factores macroeconómicos, aquando dos cálculos feitos, só não foram contabilizados os factores epidemiológicos. A verdade é que se estima que 60% dos hotéis, que fazem parte da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve já tiveram cancelamentos de estadias devido ao novo coronavírus e que 40% desses cancelamentos tenham sido reembolsados. A solução encontrada por muitas empresas foi o teletrabalho, através do qual muitos colaboradores, de várias áreas, têm dado continuidade a uma rotina adaptada a um novo “escritório”.

Lamentavelmente, o sector hoteleiro não beneficiou desta alternativa, as funções administrativas foram facilmente dispensadas e a execução das tarefas prontamente desempenhadas pelos cargos hierárquicos superiores. A médio/longo prazo, os efeitos desta crise reflectir-se-ão nos resultados operacionais, mas também contribuirão para um aumento da taxa de desemprego e uma diminuição dos salários face à sua vulnerabilidade. É neste preciso momento que nos interrogamos: E agora? O agora não existe, foi substituído pelo “talvez” que anda de mão dada com o “não sei”. Enquanto se mantém este silêncio, a inquietação apodera-se de todos nós, dando voz às dúvidas, aos lamentos, aos choros e à tristeza que nos invade. 

Para que seja possível obter respostas, é imperativo que o foco esteja direccionado para o cerne da questão: a forma como o sector do Turismo está organizado. Está mais claro do que nunca que o modus operandi do sector está obsoleto e não tem capacidade de resposta perante situações adversas, pelo que urge a necessidade de uma reforma conjuntural em prol de um mercado mais tecnológico, mais sustentável e mais seguro.

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