Como o BCE está a apoiar as empresas e os cidadãos
Se alguns dos países não atingirem a cura, os restantes sofrerão. A solidariedade é, com efeito, do interesse de cada país.
As autoridades públicas em todo o mundo estão a mobilizar‑se para combater o coronavírus. A covid-19 representa uma nova forma de choque a que não é possível fazer face utilizando os manuais do passado. Precisamos de políticas dirigidas aos mais expostos a esta crise.
Presentemente, os mais expostos são as empresas e as famílias confrontadas com uma perda acentuada de rendimentos e uma ansiedade crescente quanto ao futuro. As políticas do BCE são concebidas visando precisamente essas pessoas. No âmbito do nosso mandato, calibrámos as nossas medidas, de modo a que a liquidez seja canalizada para os cidadãos e os sectores mais necessitados de apoio.
Para entender como as nossas medidas estão a funcionar, precisamos de identificar a razão pela qual esta crise é especial. A sua origem não é idêntica à de uma crise financeira ou de uma recessão normal. A quebra abrupta da actividade económica é uma consequência da decisão necessária de pedir às pessoas que permaneçam em casa. É, assim, imperativo evitar que empresas viáveis fechem e trabalhadores percam o emprego, devido a uma crise temporária de que não têm culpa.
Os trabalhadores estão mais em risco actualmente do que em qualquer outra altura desde a década de 1930. Por exemplo, em 2009, os novos pedidos de subsídio de desemprego nos Estados Unidos atingiram um máximo de 665 mil numa semana. Nas duas últimas semanas, o número de novos pedidos subiu, primeiro, para 3,3 milhões e, depois, para 6,6 milhões. Embora na Europa a evolução do desemprego seja normalmente mais lenta e menos volátil, já são visíveis sinais preocupantes: o Índice de Gestores de Compras relativo ao emprego registou uma queda sem precedentes em Março.
A fim de evitar danos duradouros, precisamos de “colocar a economia em modo de espera”, mantendo‑a o mais próximo possível do seu estado antes do surto da covid-19. Para o efeito, podem ser utilizados diferentes instrumentos. Um deles consiste na introdução de programas estatais para apoiar o emprego no curto prazo. Outro é mobilizar o sistema bancário para disponibilizar às empresas fundos de maneio que lhes permitam continuar a pagar salários e facturas. Como a área do euro é uma economia assente no sistema bancário, facilitar o fluxo de crédito ajuda a que a liquidez chegue rapidamente a todas as fissuras da economia.
Os governos e os bancos centrais estão a tomar medidas complementares para que as instituições de crédito estejam em posição de o fazer. Os governos estão a conceder garantias de empréstimo, que reduzem o risco de crédito dos bancos: cerca de 16% do PIB foi já atribuído a programas desta natureza na área do euro. O BCE, por seu turno, está a disponibilizar suficiente liquidez para eliminar o risco de liquidez das instituições de crédito, assegurando, ao mesmo tempo, que as condições de financiamento permanecem favoráveis para a economia em geral.
Introduzimos dois tipos de medidas para alcançar estes objectivos.
Em primeiro lugar, tomámos medidas direccionadas, em grande escala, para garantir que a liquidez chega aos que dela mais precisam. A nossa nova facilidade específica de cedência de liquidez disponibiliza até cerca de 3 biliões de euros de liquidez às instituições de crédito a uma taxa negativa, que pode ir até −0,75% – a taxa mais baixa jamais oferecida pelo BCE. Sabemos, por experiência, que tais medidas podem ser poderosas. Estimamos que as anteriores duas séries de operações direccionadas encorajaram as instituições de crédito a emprestar mais cerca de 125 mil milhões de euros do que seria o caso se estas facilidades não tivessem sido disponibilizadas.
Com vista a assegurar que as instituições de crédito utilizam plenamente esta nova facilidade, introduzimos também um pacote específico de medidas de flexibilização dos activos de garantia, que visa, em particular, as empresas de menor dimensão, os trabalhadores por conta própria e os particulares. Os bancos centrais nacionais do eurossistema podem aceitar, como garantia nas nossas operações de cedência de liquidez, empréstimos a empresas e a trabalhadores por conta própria que beneficiem de programas de garantia de crédito associados ao novo coronavírus, incluindo empréstimos de menor montante.
Estas medidas encorajarão os bancos a conceder empréstimos a microempresas e a comerciantes individuais – que, em geral, têm menos acesso a crédito – e a refinanciá‑los através de empréstimos do BCE por prazos até três anos a taxas de juro negativas. Na área do euro, cerca de 22 milhões de pessoas trabalham por conta própria, o que corresponde a 14% do emprego total. Em Portugal, a percentagem é de 13,1%. Por conseguinte, estas medidas facilitarão o acesso ao crédito por uma parte mais significativa da nossa população activa.
Em segundo lugar, estamos a adquirir obrigações do sector público e do sector privado em grandes volumes para assegurar que todos os sectores da economia possam beneficiar de condições de financiamento favoráveis. O nosso programa de compra de activos devido a emergência pandémica (Pandemic Emergency Purchase Programme – PEPP), a par dos nossos restantes programas de compra de activos, permite‑nos adquirir mais de 1 bilião de euros em obrigações até ao final do corrente ano. No âmbito deste programa, temos a flexibilidade de distribuir as nossas aquisições por classes de activos e entre jurisdições. Alargámos igualmente as nossas compras de activos à aquisição de papel comercial, que constitui uma fonte importante de liquidez para as empresas. Esta medida proporciona apoio suplementar às empresas para que possam gerir os seus fluxos de caixa diários e evitar despedimentos desnecessários.
Colectivamente, estas medidas evidenciam que não toleraremos qualquer aumento da restritividade pró‑cíclica das condições de financiamento perante um dos maiores cataclismos macroeconómicos dos tempos modernos. Contudo, a nossa resposta será mais poderosa se todas as políticas se reforçarem mutuamente. É vital que a resposta orçamental a esta crise tenha a força suficiente em todos os países da área do euro. Os governos têm de se apoiar reciprocamente para poderem, em conjunto, dar a resposta óptima em termos de políticas a este choque comum que não é da sua responsabilidade.
O pleno alinhamento da política monetária e das políticas orçamentais – a par de condições equitativas para combater o vírus – constitui a melhor forma de proteger a nossa capacidade produtiva e o emprego, permitindo‑nos regressar a taxas de crescimento e de inflação sustentáveis, uma vez terminado o surto de coronavírus. Se alguns dos países não atingirem a cura, os restantes sofrerão. A solidariedade é, com efeito, do interesse de cada país. O BCE continuará a desempenhar o seu papel, cumprindo o seu mandato de manutenção da estabilidade de preços e servindo os cidadãos europeus.