Vai já estudar para o computador!

Se, por um lado, a sociedade contemporânea já nos ia dando sinais de uma transformação digital, também era evidente que esta tardava em chegar às escolas.

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Daniel Rocha

Estamos em abril de 2020, numa das maiores crises da sociedade mundial após as grandes guerras! Mas, não fora este contexto, bem real, quase poderia ser um qualquer filme de ficção científica de Hollywood! A trama adensa-se quando somos levados a olhar, sobretudo para quem trabalha em Educação, para a ansiedade e o pânico que reina no espaço educativo nacional.

É este o ponto de partida deste contexto escolar onde as personagens principais, os professores, se encontram numa demanda pelo Santo Graal, uma busca incessante de 15 dias, entre dois encerramentos e nenhum começo. O encerramento das atividades letivas nas escolas, do ponto vista presencial, e o encerramento do 2.º período letivo.

As personagens deste filme já perceberam que não houve início, não houve começos, é apenas um filme de uma sequela de anos e anos — a sequela da introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) num sistema educativo que anda devagar, a um ritmo mais lento do que aquele que exige a sociedade. A sequela da busca do Graal, que ainda se pensa estar guardado entre artefactos digitais, plataformas ou num qualquer livro de receitas, onde se encontra “A” perfeita. Aquela receita que trará ao de cima o brilhantismo na arte de ensinar.

Ainda neste filme, as outras personagens com igual importância, os alunos, resolvem continuar à espera de perceber como continuar a ser estimulados para a nobre e eterna arte, a de aprender!

Curiosamente, ou não, esta sequela teve vários inícios, várias falsas partidas, com medidas que poderiam ter sido, no seu argumento cinematográfico original, boas propostas de alterações da busca interminável. Desde logo com a versão do argumento “Plano Tecnológico da Educação” (PTE, em 2008), através do qual foram entregues milhares de computadores, distribuídos pelas escolas do 5.º ao 12.º anos, os célebres Magalhães, a todos os alunos do 1.º ciclo do ensino básico, milhares de portáteis entregues ao abrigo dos programas e-escolinhas, e-escolas e e-professores, com a oportunidade de se poder colocar em prática modelos pedagógicos ativos de 1:1 (um dispositivo por aluno, o Magalhães) e milhares de horas de formação que terão colocado todos as personagens principais com os certificados de competências básicas em TIC.

Mas esta falsa partida levou, acima de tudo, a uma formação instrumental dedicada para o artefacto e o seu uso na vertente não pedagógica, numa larga maioria dos casos, levando à continuidade na arte de representar neste filme educativo, embora com mais efeitos especiais (as TIC).

É evidente que hoje seria necessário um novo PTE, um novo começo, com o apetrechamento e a implicação de outros atores nesta sequela, personagens secundárias que evidenciem o melhor dos artistas principais. Esta sequela de filmes vai tendo os seus sucessos de bilheteira, atualmente, em todas as escolas que se foram preparando e retiraram aprendizagens das várias falsas partidas anteriores.

Acontece em muitos municípios do país, ao abrigo dos Planos Integrados e Inovadores de Combate ao Insucesso Escolar, entre outros, juntando ainda empresas, parceiros locais e associações de pais… num processo amplo de formação à medida e específica para metodologias ativas, com a utilização pedagógica dos dispositivos móveis, e disto é exemplo o Projeto SUPERTABi, no município da Maia, que decorre com alunos do 1.º ciclo do ensino básico, como outros exemplos de projetos existentes no nosso país.

Porém, foram os “não-começos“, que agora se fazem notar, numa época em que o Sr. Corona Covid se tornou mais eficiente no estímulo e na motivação do processo de “Digitalização” de uma Escola numa sociedade digital. Mais eficiente que um qualquer Innovative CEO, Digital Director, Multimedia Trainer, ICT Coordinator ou outro ICT Specialist. Se, por um lado, a sociedade contemporânea já nos ia dando sinais de uma transformação digital, também era evidente que esta tardava em chegar às escolas.

No prólogo deste filme, reproduziam-se campanhas alusivas à estreia do novo filme em abril de 2020, avisos de que a escola não podia distanciar-se do desenvolvimento tecnológico e cultural sob pena de ficar arredada da realidade. Avisos em que era notório, nas várias salas de atores de cada escola, a reflexão sobre o desinteresse dos alunos nas atividades propostas, no tempo e adequação das mesmas. Simultaneamente, pedia-se a reconfiguração profissional e discutiam-se os modelos de educação, novas abordagens pedagógicas e motivacionais.

Dizia-nos Papert que a integração das TIC na aprendizagem dos alunos fomentava, desde cedo, competências que, de um outro modo, só teriam possibilidade de afirmar-se em idades mais avançadas. Afirmou ainda que um dos maiores contributos das TIC seria dar a oportunidade aos alunos de experimentarem a excitação de se empenharem em perseguir os conhecimentos que realmente desejam obter (aprendizagem autónoma e por si, controlo da sua aprendizagem).

A introdução das potencialidades das aplicações multimédia, adaptadas e adequadas aos contextos da aprendizagem, serve como instrumento importante na dinâmica de uma sala de aula (física ou virtual), promovendo nos alunos um estado de predisposição para a aprendizagem. A utilização dos dispositivos móveis que, enquanto sistemas tangíveis, colocam a ênfase na interação entre o aluno e a tarefa, tornando mais natural e intuitiva a manipulação do conteúdo e que, de tão contestada em contextos escolares, em tantas salas de aula, agora, nesta nova série, se tornou num recurso na e para comunicação e, para muitos, a única oportunidade de fazer acontecer “Escola”.

Neste filme, dá-se uma reviravolta surpreendente no guião de tantas casas em Portugal e no Mundo, de tantos pais e educadores, com a célebre frase “deixa o computador e vai mas é estudar”, para algo se tornará imprescindível “Vai já para o computador estudar”…

Porque o Sr. Corona Covid assim o ordenou, a transformação desta escola passa pelo uso da Internet e das tecnologias móveis, como o telemóvel, o tablet ou do computador… mas, acima de tudo, pela mobilidade dos contextos e dos conteúdos, porque deverão ser muito mais interativos, envolventes no contacto, na comunicação e na colaboração por parte dos alunos.

Fazendo um flashback entre os dois “encerramentos”, sabemos que muitos têm sido os professores que, nos últimos 15 e famosos dias, se têm manifestado e têm considerado terem aprendido, estarem a aprender as novas técnicas, as boas novas sobre o maravilhoso mundo do digital, como se estivessem já bem perto de alcançar o Graal. Efetivamente, há uma grande parte de verdade, porque a ‘necessidade aguça o engenho’. Muito se aprendeu… é um processo pelo qual se teria de passar, um primeiro trilhar de caminho, de percurso, no qual todos estes profissionais de educação estão de parabéns por, sem medo, o estarem a percorrer, sem luz, descalços e a pé!

Se olharmos para a aprendizagem dos professores (a exemplo de tantas outras) como se de um GPS se tratasse, verificamos que, ao colocarmos um “ponto de chegada” quando se inicia esse processo, o que vamos ouvir é “alguém” a “oferecer-nos” instruções para chegar a esse destino.

Se formos bons ouvintes e conhecermos os conceitos mais elementares, no caso, “direita”, “esquerda”, “frente”, ou outra instrução, teremos tudo para que o caminho possa correr bem. Ora, a aprendizagem de todo este manancial de “digital”, sem contexto, sem sentido, apenas num formato do tipo tutorial, é igual ao caminhar por GPS... a aprendizagem fica aprendida no caminho entre o ponto de partida e o ponto de chegada, mas única e exclusivamente daquele contexto, daquele único caminho e com aquelas únicas instruções.

Também, por isso, muitos alunos não conseguem atenuar a ausência do professor, porque foram ensinados num modo tutorial, sem pensar, prever e conjeturar cenários. Assim, o problema coloca-se quando temos de fazer um caminho ou, “o” caminho, por nós, sem “vozes”, sem “alguém” a “ditar” o percurso, sem instruções. O problema aumenta quando temos de fazer a transferência dessa aprendizagem para outros contextos, com outros problemas, com outras variáveis.

Se usarmos a mesma metáfora, vamos tentar caminhar sem utilizar o GPS, nesse caso pedir a alguém que percorra um determinado caminho que não conhece, colocando um desafio, um tempo de chegada, pontos de referência para o percurso. Acontece tantas e tantas vezes, e nesse caso, teremos de convocar outros conhecimentos para fazer esse caminho, desde perguntar instruções a pessoas, guiar-nos pelos conhecimentos que temos sobre Geografia, aprender a ler o Sol ou as Estrelas...

E é neste sentido que verificamos que, nos últimos 15 dias, os nossos professores-heróis que, por si procuraram fazer os seus caminhos, também aprenderam mais sobre o “tal digital”, porque foram “obrigados” a não usar GPS, foram desafiados a percorrer caminhos “nunca antes navegados”, porque o contexto e o problema de cada um os levou a avançar, a perguntar a cada obstáculo, a resolver cada repto, a criar referências na sua aprendizagem, a investigar, a testar, para implementar e atenuar o problema inicial provocado pelo novo CEO, o Sr. Corona Covid e, assim, percorrerem o seu próprio caminho, e não o que lhes foi ditado por alguém.

Estes professores não fizeram o mais curto, o mais barato, ou o mais simples... fizeram o “seu” caminho, que é único! Por ser único, fizeram-no criando as suas próprias referências, à medida que iam percorrendo essa aprendizagem, em cada aplicação digital que aprenderam, souberam onde “virar à direita junto à igreja”, souberam “virar à esquerda após a árvore centenária”... ou seja, a aprendizagem tornou-se significativa porque tinham desafios práticos para responder a problemas concretos.

É chegada a altura de aparecerem os heróis desta trama, as personagens que conseguirão perceber que é chegado o momento de vencer e, talvez agora, possam dedicar os próximos 15 dias à aprendizagem, também ela de forma significativa, de e sobre o upgrade da pedagogia...

A questão ou o problema já não é, e nem pode ser mais, sobre os recursos a utilizar, não pode ser mais acerca da aprendizagem sobre o digital, porque não é isso que vai dar a vitória final neste filme. Não serão os artefactos, mas o que fazer com eles. A demanda do Santo Graal exige que as pistas que temos nesta fase levem as personagens a compreender que este não é um artefacto, que todos o podem ter, que todos o podem aplicar e que fará a diferença junto dos seus alunos. Falamos da construção e do desenho de novas abordagens pedagógicas, quer num ambiente presencial quer, mais ainda, num ambiente online. As grandes dificuldades manifestadas nestes dias têm sido mais sobre o que fazer com os recursos, o que fazer com tanto digital?

Se aprenderam em tempos a manipular os lápis, as canetas, os marcadores, os lápis de cera ou os pincéis — tantos objetos para a escrita e para o desenho — então, agora, que tal pensar, que tal planear o que fazer, e bem, com cada uma das ferramentas? Que tal pensar se precisam de usar todas de uma só vez? Que tal pensar se precisam, sequer, de usar duas delas? Que tal pensar se para uma atividade em que pretende fazer uma pintura a carvão, será que selecionaram os instrumentos corretos?

Deixamos aqui algumas sugestões:

Desenhe uma semana de trabalho com pequenas sessões síncronas a explicar as tarefas (não mais de 30 minutos, equivale a 1/3 do que fazia no presencial – aula de 90 minutos). Depois entregue atividades contextualizadas que impliquem a investigação por parte dos alunos, e que permitam a pesquisa em diferentes fontes…

Durante esse tempo, vá fazendo algum apoio assíncrono, validando as fontes de informação, dando feedback aos alunos na realização de tarefas, disponibilizando pequenos desafios complementares.

Faça pequenas sessões síncronas com alguns dos alunos e não com todos, em grupos de trabalho, respeitando os seus ritmos de aprendizagem, para refletirem e discutirem as atividades realizadas e trabalhar algumas dificuldades mais específicas.

Lance novos desafios para a construção e apresentação de um produto final (multimédia ou não) entre os pares, para que, no final da semana, todos possam apresentar e avaliar os trabalhos realizados pelos colegas.

Em cada estádio, faça pequenos questionários, pequenos fóruns de discussão, para ir aferindo os vários momentos e, acima de tudo, dê a conhecer no início da semana todo o plano de trabalho, para que o aluno e a sua família também possam gerir a sua semana de teletrabalho.

Cada um pode escrever o seu argumento num filme que continua em rodagem. O desfecho do mesmo é ditado pelo grau de envolvimento no desenho de cenários pedagógicos, em que ao aluno é permitido selecionar os melhores “efeitos especiais” e, assim, ouviremos em casa a nova ordem “vai já estudar para o computador!”.

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