Uma vontade irreprimível de ver

Já havia alguns casos em Portugal, mas o país ainda não tinha acordado a sério para a pandemia da covid-19. Na última semana, o escritor Afonso Reis Cabral passou quatro dias em Góis, numa espécie de retiro. Tinha combinado com a Fugas que faria um texto sobre a sua experiência como guardador de cabras. A realidade ultrapassou-o: o que se segue é um ensaio sobre os tempos que vivemos.

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Nelson Garrido

Antes do caminho que leva ao rio Ceira, encontro um Renault 4L cujo destino é assinalar a praia fluvial. Para tristeza do carro, enquanto enferruja, limita-se a guardar recordações como uma cadeira de bebé. Se o bebé se voltasse a sentar nela, teria pelo menos trinta anos. Como o rio fica mais para dentro, não se ouve a água dançar – e eu acho que é melhor assim, o carro sem o som dessa alegria, para se esquecer mais facilmente de que um dia acelerou nas estradas.

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