Estado de emergência: efeitos públicos e efeitos privados
Era já expectável, desde finais da semana passada, que fosse declarado o estado de emergência, verificando-se que algumas das medidas tomadas, se justificadas pelo estado de necessidade existente, passam agora a ser ratificadas e enquadradas pela declaração de estado de emergência
1. A declaração de estado de emergência impõe-se como forma de legitimação jurídica e política de medidas que, visando responder ao surto provocado pela covid-19, garantam a vida e o bem-estar da população: a declaração vai habilitar o Governo a adotar as providências que se mostrem necessárias e adequadas, incluindo a suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias fundamentais, procurando prevenir, atenuar e combater os efeitos da covid-19, num cenário de conjugação de todos os principais órgãos políticos – Presidente da República, Assembleia da República e Governo, todos são chamados a intervir no respetivo processo.
2. Era já expectável, desde finais da semana passada, que fosse declarado o estado de emergência, verificando-se que algumas das medidas tomadas, se justificadas pelo estado de necessidade existente, passam agora a ser ratificadas e enquadradas pela declaração de estado de emergência: há, também aqui, uma função de legitimação retroativa de algumas decisões já tomadas.
3. Se é verdade que o princípio da proporcionalidade limita os termos da intervenção das autoridades, o certo é que a declaração do estado de emergência fará o país viver, pela primeira vez, durante a vigência da atual Constituição, um cenário de exceção constitucional: vamos ter direitos e liberdades suspensos ou fortemente condicionados no seu exercício, desde que necessários ao fim em causa, numa clara ilustração de que a vida e o bem comum da coletividade têm um valor prevalecente sobre a liberdade e a vontade individuais.
4. Num certo sentido, paradoxalmente, o estado de exceção constitucional, por razões de calamidade pública, tal como estamos a viver, vem tornar mais evidente o que é essencial numa sociedade: a vida das pessoas e o bem comum impõem-se e justificam o sacrifício do que é menos essencial – para quem conferia, a propósito da eutanásia, um valor absoluto à autodeterminação, está aqui uma lição.
5. A declaração de estado de emergência, apesar de juridicamente limitada no tempo, por 15 dias, passíveis de renovação, vem introduzir, igualmente, uma nota de excecionalidade na nossa vida familiar, profissional e social: ainda que a declaração o não diga, seria conveniente que, cada um de nós, além de limitado na sua liberdade de circulação, introduzisse medidas de autocontenção e reforço da solidariedade – os tempos do desperdício e da abundância podem também estar suspensos, eventualmente até por um período muito superior à declaração formal de estado de emergência, sem que se saiba com certeza se regressam tão depressa.
6. Ninguém duvide que a presente crise de saúde pública vai gerar uma crise económico-financeira e ambas estarão na base de uma previsível (e dramática) crise social: desemprego, miséria e até desordens podem suceder-se, num cenário de progressiva conflitualidade, suscitando a eventual necessidade da intervenção das forças de segurança ou mesmo de militares para garantir a segurança de pessoas e de bens.
7. O mundo, tal como o conhecemos até fevereiro, pode-se ter eclipsado e a responsabilidade não será, por certo, da presente declaração do estado de emergência – neste momento, ainda estamos no início de um longo calvário, sem que se tenha atingido o seu auge, e nada parece excluir que, amanhã, por razões de devastação económica e financeira (bem piores do que a crise de 2008), existam situações justificativas de novos estados (formais ou informais) de necessidade.
8. Os tempos que atravessamos colocam todos à prova: às autoridades, se estão à altura das responsabilidades que lhe são exigidas pelas circunstâncias; aos governados, o momento é de obediência e de colaboração com as autoridades – a todos se exige coragem e serenidade.