Do exercício da hipocrisia à república do vale tudo

O nosso belo país à beira mar plantado tem quartéis e paióis assaltados, julgamentos de arbitragens nos tribunais superiores e a distribuição aleatória de processos aparentemente martelada e transformada em atribuição de processos. E não passa nada!

Confrontamo-nos, de tempos a tempos, com hordas de notícias surpreendentes e inesperadas. Noticias estas que mostram ir o rei nu, desassombradamente vaidoso, sacolejando as protuberâncias sem qualquer resquício de pudor. A onde de choque com o cocktail servido no Panteão nada é perante a notícia da utilização do espaço do venerando Tribunal da Relação de Lisboa para julgamentos privados.

Já nem apelamos à sacrossanta preocupação e ponto de partida filosófico de “quem guarda o guarda”, pois parece que a guarita virou alojamento local e nem se pode entrar neste momento, pois está ocupada. Estamos sim perante a devassa da intimidade da justiça, a perda de garantias, a segurança do recurso.

Não é ficar vencido, mas não convencido, se o argumento é bom e tem alicerce jurídico. Não, aqui é alcançar que tudo está em causa e porventura a segurança das instituições tornou-se uma questão de fé e de milagres!

Pois vejamos: tem exclusividade? Tem. Pode exercer profissões ou cargos privados? Não. Mas fá-lo! Porquê? Porque a certeza da impunidade se acostumou e entranhou, é a explicação que encontramos. Presunção de inocência, claro que sim. Mas quando o Conselho Superior da Magistratura assume as interferências no sistema, dá que pensar.

Portanto, o nosso belo país à beira mar plantado tem quartéis e paióis assaltados, julgamentos de arbitragens nos tribunais superiores e a distribuição aleatória de processos aparentemente martelada e transformada em atribuição de processos. E não passa nada!

Numa era em que a palavra já nada vale ou significa, ainda que provinda dos maiores, daqueles que ocupam cargos de relevo e prestigio, é só ouvir balelas ocas, sem significado. O que genuinamente surpreende é a facilidade com que se afirma o que depois se contradiz apenas porque se não é obedecido.

E assim andamos, felizes e contentes neste exercício da hipocrisia, sorrisos e cumprimentos, salamaleques diversos, sabendo de antemão que as palavras que nos dirigem nada significam, e assim correspondemos acenando. De facto, assim se vai vivendo e vendo viver há bastante tempo.

Porém, quando este resvalar de falta de princípios atinge o cerne do Estado Social de Direito, a Justiça, a garantia da isenção e imparcialidade dos tribunais, tudo soçobra. Já não estamos perante o politiqueiro, o ambicioso, o que tem mau perder e fraco ganhar, o melífluo, o armado em lobista, estamos sim perante o ataque maior, o meteorito do big-bang.

Onde não há confiança nas instituições da Justiça instala-se o caos, o vale tudo. Assim, como quem faz terraplanagens e aterra, esmaga e empurra. Serão resquícios da juventude, uma certa visão naif do Mundo, certo, certo é que não desistimos de pugnar pela confiança, pela integridade e pela ética.

Sem capas ou símbolos de super-heróis, de quando em vez ganha o correcto, o leal e honesto, quem usa a palavra confiança e conhece o seu significado maior e não o oportunista. Assim, esperamos, se recuperará a dignidade e a confiança das instituições, actuando eticamente, em vez de esgrimir a palavra só porque soa bem.

A sociedade precisa, desesperadamente, de confiar na Justiça, nos tribunais, nos magistrados e nos advogados. Se cada um tomar consciência do seu papel, das suas funções e deveres, já é um bom princípio. Assim faremos.

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