Morreu Ulay, antigo companheiro da artista Marina Abramovic que a ajudou a desafiar os limites da resistência
Nascido a 30 de Novembro de 1943, na Alemanha, Ulay trabalhou como fotógrafo para a Polaroid e compôs com Marina Abramovic, ao longo de 12 anos, performances que exploram os limites do corpo e da resistência física e mental.
O artista Frank Uwe Laysiepen, ou Ulay, como era sobretudo conhecido o antigo companheiro da artista e performer Marina Abramovic, morreu na manhã desta segunda-feira em Liubliana, na Eslovénia, vítima de complicações relacionadas com um cancro linfático, aos 76 anos.
Nascido a 30 de Novembro de 1943 na Alemanha, Ulay passou a artista reconhecido após mudar-se para Amesterdão e começar a trabalhar como fotógrafo para a Polaroid. As suas experiências iniciais com as câmaras Polaroid, dos inícios dos anos 1970, são imagens em que o fotógrafo explorava a sua própria identidade, vestido de travesti ou até mutilado, relata o diário Guardian.
Foi ali, em Amesterdão, em 1976, que Ulay e Marina Abramovic se conheceram. Trabalharam juntos ao longo de 12 anos, compondo performances que exploraram os limites do corpo e da resistência física e mental. Como Imponderabilia, uma das peças mais conhecidas na carreira de Abramovic e que ambos protagonizaram, expondo-se nus, frente-a-frente, durante sete horas, numa exígua passagem, e pedindo ao espectador/visitante que passasse pelos seus corpos, roçando-os. Imponderabilia foi pela primeira vez apresentada em 1977, na Galleria Comunale d’Arte Moderna, em Bolonha, e interrompida pela polícia, que interveio para impedir o “comportamento indecente” dos artistas. Ou ainda Light/Dark, também de 1977, em que os artistas se esbofeteavam durante 20 minutos. Ou AAA-AAA, em que gritavam furiosamente um com o outro durante 15 minutos, ou Rest Energy, de 1980, em que Ulay apontava um arco e flecha ao coração de Abramovic, bastando um ligeiro movimento dos dedos para a atingir.
Juntos, os dois artistas construíram um portefólio com cerca de 14 obras em que exploraram a sua própria relação. O objectivo final seria aniquilar cada um dos seus egos para construir uma única identidade artística. The Lovers, a última obra de Ulay e Abramovic juntos, de 1988, foi uma comemoração do fim do seu relacionamento — cada um começou a caminhar a partir de pontos opostos da Grande Muralha da China. Ulay começou no Deserto de Gobi, enquanto Marina Abramovic iniciou o seu percurso a partir do Mar Amarelo. Depois de caminharem mais de 2400 quilómetros cada um, encontraram-se a meio caminho e, sem falar, despediram-se.
Após a separação, Ulay regressou à Polaroid, no início dos anos 1990. Ali levou a cabo experiências com uma câmara gigante que produzia “Polagrams”, imagens com uma altura superior à do próprio fotógrafo.
Em 2010, Ulay surpreendeu Abramovic ao sentar-se frente à artista durante a sua performance The Artist is Present, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Os dois, que não mantinham contacto há décadas, entrelaçaram as mãos e choraram.
No ano seguinte, Ulay foi diagnosticado com cancro linfático. O documentário Project Cancer: Ulay’s Journal from November to November, de 2014, acompanha os tratamentos a que submeteu nessa fase da sua vida e carreira profissional.
Em 2015, o artista alemão processou a sua ex-companheira, alegando que Abramovic se apropriou de dinheiro que lhe pertencia e que não havia creditado devidamente Ulay nas suas obras em conjunto. O veredicto impôs que Abramovic pagasse 250 mil euros a Ulay. Mas os dois acabaram por não guardar ressentimentos, tendo-se tornado novamente amigos. Em 2017, chegaram mesmo a participar num filme, The Story of Marina Abramović and Ulay, sobre a história do seu relacionamento. “Tudo o que era atrevido, desentendimentos desagradáveis ou o que quer que seja do passado, descartamos”, disse, à data, Ulay sobre o filme, concluindo: “Na verdade, é uma história bonita.”
A galeria Richard Saltoun, que representava Ulay, já confirmou a morte do artista. “Ulay era o mais livre dos espíritos – um pioneiro e um provocador com uma obra radical e historicamente única, operando no cruzamento da fotografia e das abordagens conceptuais da Performance e da Arte Corporal. A sua morte deixa uma lacuna crucial no mundo que não será facilmente substituída.”