E se o Governo não quiser cumprir a lei?
Os acontecimentos das últimas semanas provaram o quão errado estava e está o ministro da Educação e que eram e são mais do que justificadas as preocupações da comunidade educativa, dos movimentos civis e das associações ambientalistas quanto à presença de amianto nas escolas.
A luta contra o amianto nas escolas ganhou um aliado de peso. Em menos de duas semanas, a provedora de Justiça declarou-se preocupada com a situação de incumprimento da lei 2/2011, sobretudo no que toca às escolas, e solicitou ao Ministério da Educação “a listagem de todos os estabelecimentos escolares já identificados como apresentando coberturas em placas de fibrocimento contendo amianto, e o seu posicionamento no plano cronológico de intervenção” para a remoção daquele material cancerígeno.
Uma semana antes, em resposta a uma queixa de quatro agrupamentos de escolas de Loures que, em maio do ano passado, pediram “a intervenção da Provedoria da Justiça, manifestando preocupação quanto às condições de segurança e salubridade” dos seus estabelecimentos escolares, a provedora pediu explicações ao Ministério da Educação quanto às condições de segurança das escolas onde o amianto ainda não foi retirado, prometendo, face às informações que lhe foram transmitidas, proceder a “novas diligências”, que já se encontram “em desenvolvimento”.
A esta tomada de posição, que não é de somenos, junta-se o reconhecimento, alguns dias antes, como muitos já suspeitavam, de que não existe qualquer lista atualizada de escolas com amianto.
Em resposta a uma queixa feita pela associação ambientalista Zero à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), exigindo conhecer a lista de edifícios escolares com materiais contendo amianto, a diretora-geral dos Estabelecimentos Escolares explicou que “os documentos solicitados (...) constam de processos ainda não concluídos pelo que (...) não estão ainda em condições de ser disponibilizados”.
Quer tudo isto dizer que a lei 2/2011 não é reconhecidamente cumprida pelo Governo em nenhum dos seus artigos, não havendo qualquer lista pública atualizada de edifícios públicos com materiais contendo amianto – art.º 4.º – e não se conhecendo qualquer calendário de monitorizações e remoções dos referidos materiais – art.º 5.º.
Quer isto dizer também que os utilizadores desses edifícios não têm qualquer informação quanto aos prazos de remoção desse material – art.º 7.º –, permanecendo na incerteza quanto a um assunto de importância vital para a sua saúde e o seu futuro, nomeadamente quando se fala de escolas.
Das poucas vezes que o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, se pronunciou sobre o problema do amianto foi para acusar organizações ambientais, associações de pais e movimentos da sociedade civil, como o Movimento Escolas Sem Amianto (MESA), de alarmismo social injustificado.
Os acontecimentos das últimas semanas provaram o quão errado estava e está o ministro e que eram e são mais do que justificadas as preocupações da comunidade educativa, dos movimentos civis e das associações ambientalistas.
O propalado Fundo de Reabilitação e Conservação Patrimonial (FRCP), ao qual as escolas podem proactivamente concorrer exclusivamente para a remoção de materiais contendo amianto, “generosamente” brindado com 20 milhões de euros – menos de 5% do orçamentado para a remoção do amianto de todos os edifícios públicos –, é outra prova inequívoca de que ninguém no Governo leva o assunto a sério.
Provaram também que não há vontade política de resolver o problema do amianto nas escolas, que não está nas prioridades do Governo cumprir a lei 2/2011 e que o ministro da Educação não gosta, não quer falar do assunto e vai continuar a fingir que ele não existe.
Entretanto, esfregam-nos na cara a notícia de que o Governo vai injetar mais 850 milhões de euros no Novo Banco, num total de quase 3000 milhões em apenas três anos. Uma nova “injeção de capital” no denominado “banco bom” que daria para erradicar o amianto de todos os edifícios públicos duas vezes. “Vontade de rei não conhece lei”, lá dizia o povo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico