Morte assistida: decidir com serenidade
Ouvi com atenção as palavras dos meus colegas deputados. A maioria vota a favor pela mesma razão que eu voto contra. Por entenderem que o fim de um sofrimento duradouro, tecnicamente sem cura, está na procura de uma certa dignidade no modo de encarar o fim da vida.
À luz dos dados conhecidos, sou contra a eutanásia. Sou contra por entender que o Homem é Liberdade, sendo Razão. E é Razão sendo Liberdade. É uma Unidade que também é um Todo e é um Todo que também é Unidade. O Homem é eminentemente um “ser” social. Descobre-se “no” outro e “com” o outro. Acrescento: realiza-se “pelo” outro. O Homem é, por isso, “intersubjetividade”. Impõe, pois, um olhar “compreensivo”. O individualismo, de per si, conduz o Homem à dissolução dessa sua condição fundamental. Ora, se é dever da sociedade, expressão da razão, respeitar a individualidade expressa na autonomia e na autodeterminação da vontade, é também seu dever tudo fazer para promover e preservar a vida individual, até aos limites do conhecimento técnico e científico. Contribuindo para remover os elementos nocivos – a dor e o sofrimento – que levam à formação dessa vontade.
O Humanismo cristão, o Humanismo de Erasmo de Roterdão, os alicerces do liberalismo social e político partem de um imperativo ético e moral que coloca na defesa da vida humana todos os meios da sociedade e do Estado. E o iluminismo fundador das sociedades e Estados modernos reforçou e alimentou a crença no progresso e na razão técnica como solução para os problemas do Homem. Essa é, aliás, desde os primórdios da humanidade, a mais imperativa razão da sociedade e do Estado.
Quero, contudo, reconhecer que os projetos que os vários deputados, eleitos pelo PS e por outros partidos, apresentam em sede de discussão e votação no Parlamento não deixam de integrar a liberdade e a razão. É nessa sensatez que assenta a justificação para que o seu projeto tenha o apoio da maioria. Cuidam de garantir o respeito pela formação e autodeterminação da vontade individual e, simultaneamente, procuram garantir um escrutínio, concomitante e consecutivo, dessa vontade individual por parte de quem assume, em nome do Estado, a responsabilidade de realizar o acompanhamento da vontade individual. Ouvi com atenção as palavras dos meus colegas deputados. A maioria vota a favor pela mesma razão que eu voto contra. Por entenderem que o fim de um sofrimento duradouro, tecnicamente sem cura, está na procura de uma certa dignidade no modo de encarar o fim da vida.
Para mim, a formação e autodeterminação da vontade de partir será sempre o resultado de circunstâncias objetivas e subjetivas e cumpre-nos a todos, como sociedade assente em determinados valores e politicamente organizada, atuar sobre essas circunstâncias tendo em vista promover e garantir o desejo e a vontade de viver. Porque a sociedade será sempre muito mais do que a soma de vontades individuais. Deputado do PS
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico