Proteger quem denuncia atentados ambientais

Quem por imperativo de cidadania denuncia crimes ambientais também deve ser protegido de retaliações, como as lançadas contra Pedro Triguinho e Arlindo Marques.

Por estes dias, Pedro Triguinho, ativista torrejano contra a poluição provocada pela empresa Fabrióleo, enfrenta mais um processo judicial. Desta vez, a acusação pede pena de prisão ou 240 dias de multa por, no decurso de uma manifestação popular, o ambientalista, alegadamente, ter denunciado a Fabrióleo como um verdadeiro “cancro” poluidor. “Difamação!”, acusa aquele que o ministro do Ambiente já classificou como “infrator militante”, procurando intimidar quem lhe faz frente com muita coragem.

O expediente intimidatório não é novo. Há poucos anos, a Celtejo, empresa de Vila Velha de Ródão, recorreu a manobra idêntica para calar Arlindo Marques, o conhecido “guardião do Tejo”. Na altura, a empresa até já havia reconhecido ter ultrapassado os limites legais de controlo dos efluentes lançados no Tejo. Mas isso não a impediu de reclamar a Arlindo Marques, modesto funcionário público, uma indemnização de cerca de 250 mil euros, também por “difamação”. Neste caso, a pressão da opinião pública levaria a empresa a retirar o processo.

Para Jónatas Machado, professor associado da Universidade de Coimbra, citado pelo site Médio Tejo, “isto também é uma forma de assédio”, “o tipo de situação que toda a gente sabe que existe nos tribunais, mas que durante muito tempo se foi aceitando como inevitável”.

Trata-se do que em vários países é conhecido como “SLAPP(strategic lawsuit against public participation), ação judicial estratégica contra a participação pública, e aí já foi tornada ilegal por ameaçar a liberdade de expressão.

Segundo Jónatas Machado, as ações de “SLAPP”, mediante os elevados custos dos processos de defesa e possíveis indemnizações, têm a intenção de “assediar”, “intimidar, silenciar e punir”, assim “como destruir institucionalmente, destruir financeiramente, destruir pessoalmente” quem critica ou denuncia.

Processos judiciais desta natureza, além de ameaçarem a liberdade de expressão, ameaçam tornar-se verdadeiras espadas de Dâmocles colocadas sobre a cabeça dos ambientalistas, das suas associações ou de simples cidadãos, vítimas de atentados ambientais. Dada a reconhecida fragilidade dos seus recursos, estes encontram-se quase indefesos diante das poderosas equipas de juristas (bem) pagas por entidades com mais dinheiro do que escrúpulos.

A próxima transposição para o nosso ordenamento jurídico da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, poderá contribuir para alterar este quadro.

Reconhece a Diretiva que “As denúncias e a divulgação pública alimentam os sistemas de aplicação dos direitos nacionais e da União com informações conducentes à deteção, à investigação e à ação penal eficazes por violações do direito da União, aumentando deste modo a transparência e a responsabilização”.

É certo que o escopo da Diretiva Europeia é o da proteção de denunciantes “que trabalham numa organização pública ou privada ou que com ela estão em contacto no contexto de atividades profissionais”. Mas a própria Diretiva admite que “Os Estados-Membros poderão decidir alargar a aplicação das disposições nacionais a outros domínios a fim de assegurar a existência de um regime de proteção dos denunciantes abrangente e coerente a nível nacional”. Nessa transposição deve ser introduzida a proteção de denunciantes de crimes ambientais, ainda que a denúncia provenha de entidades ou pessoas sem relação profissional com as entidades denunciadas.

Será precisamente o caso de ativistas e associações ambientalistas ou de simples cidadãos. Sem prejuízo dos direitos das entidades denunciadas, previstos aliás na própria Diretiva Europeia, quem por imperativo de cidadania denuncia crimes ambientais também deve ser protegido de retaliações, como as que “de facto” constituem ações judiciais iníquas, como as lançadas contra Pedro Triguinho e Arlindo Marques.

A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, assegurou que o Governo está “a trabalhar para transpor a Diretiva, em conjunto com toda a legislação relativa ao pacote anticorrupção e de estratégias anticorrupção”, até ao final deste ano. Pois que essa transposição da Diretiva não esqueça, e contemple, a ilegalização do chamado “SLAPP”, sendo certamente esse um dos critérios que dirá muito sobre o empenho do legislador, seja Governo ou Parlamento, na efetiva proteção do ambiente e de quem, corajosamente, a pratica.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico​

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