Política florestal: uma receita para o desastre
No que diz respeito à floresta, este OE2020 não protege os mais pequenos. Constitui, sim, um verdadeiro ataque aos mais pequenos e aos mais frágeis.
Na anterior legislatura, após negociação do PS com o Bloco de Esquerda, o Parlamento aprovou a Lei n.º 111/2017, de 19 de dezembro, que prevê a criação de Unidades de Gestão Florestal (UGF). Nas UGF, a organizar por iniciativa voluntária de pequenos proprietários e agregando a gestão de terrenos adjacentes, será possível criar escala para explorações com maior área, ambientalmente sustentáveis e rentáveis, num mosaico rural diversificado.
Ao contrário do que agora pretende o governo, nas UGF as pequenas propriedades não são alienadas para concentrar terras nas mãos dos fundos financeiros ligados aos grandes interesses florestais. Nas UGF, os pequenos produtores continuam a gerir as suas terras de forma agregada, através de associações ou cooperativas. Esta é a única forma de agregar a gestão em áreas contínuas maiores, respeitando a pequena e muito pequena propriedade. Na anterior legislatura, chegou mesmo a arrancar a criação de umas dezenas de UGF, com acesso prioritário a apoios comunitários e do Estado.
Agora, as UGF são pura e simplesmente eliminadas das propostas do programa do atual governo. Este governo boicota a aplicação Lei n.º 111/2017 e manda para o lixo o esforço de muitos pequenos proprietários florestais, como em Nelas, disponíveis para agregar os seus terrenos numa gestão única, por eles dirigida.
Segundo o Programa do atual governo, a criação de escala rentável e — em palavras — sustentável será assegurada basicamente por duas vias. Por um lado, fortalecendo as Organizações de Produtores (OP) e Entidades de Gestão Florestal (EGF), estas com investidores privados alheios à produção florestal. Por outro lado, mobilizando capital financeiro para a gestão da floresta, setor no qual Portugal tem “uma elevada produtividade primária”.
Esta política visa a espoliação dos pequenos e muito pequenos proprietários, com agregação das parcelas em grandes explorações à mercê do produtivismo intensivo e da indústria. O resto do discurso governamental, “ambientalista q.b.”, é o engodo.
Venha de lá o capital
Em primeiro lugar, as Organizações de Produtores (OP) não ultrapassam a pulverização da propriedade rural e, portanto, não contribuem para criar maior escala das áreas geridas de forma agregada. Depois, a legislação que enquadra a criação de OP favorece os grandes proprietários, por ser demasiado exigente e limitadora da agregação de pequenos produtores.
Em segundo lugar, nas EGF o que mobiliza o capital financeiro é o lucro, não é a sustentabilidade ambiental ou o respeito pelos mais pequenos. Obviamente.
No seu programa, o governo concretiza esta opção ao propor-se “Apoiar, através do Fundo Florestal Permanente, a transformação das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) em Entidades de Gestão Florestal (EGF), de modo a concretizar empresarialmente a modelação económica e financeira desenvolvida”. E quando diz ir “atribuir aos Fundos de Investimento Florestais um tratamento equivalente às ZIF na atribuição de apoios públicos, desde que se constituam e invistam maioritariamente em territórios de minifúndio e em espécies autóctones”.
Lembramos que as ZIF são de pequenos proprietários; os fundos são dos investidores… Esta política é transposta para a Lei do Orçamento de Estado para este ano, ao autorizar o governo “a criar um regime de benefícios fiscais no âmbito dos Planos de Poupança Florestal (PPF) que sejam regulamentados ao abrigo do Programa para Estímulo ao Financiamento da Floresta”.
Estou convencido de que o atual governo não se esquecerá de criar estes benefícios, ao contrário do anterior que se “esqueceu” de criar a taxa sobre as celuloses…
Esta política é uma fraude para as expectativas das centenas de milhares de pequeníssimos proprietários, que deveriam ser apoiados e, pelo contrário, por isto ou por aquilo, são alvo de multas cada vez mais pesadas visando levá-los a desistir da posse das suas pequenas parcelas. E esta política não promove sustentabilidade ambiental nenhuma. Pelo contrário, ao alimentar o produtivismo florestal intensivo, cria terreno para desastres maiores. Literalmente.
Ambiente é rótulo enganador
A colocação da tutela das florestas fora do Ministério da Agricultura, no Ministério do Ambiente, é contraditória com o próprio Programa do Governo, ao reconhecer “a necessidade de criar uma floresta ordenada, biodiversa e resiliente, conjugada com um mosaico agrícola, agro-florestal e silvopastoril” (sublinhado nosso). É um mistério saber como se conjugam políticas para um mesmo espaço rural, quando estas estão dispersas pelos ministérios da Agricultura, do Ambiente e da Economia. Não vão conjugar nada, é evidente. Ou conjugar pouco, vá lá…
Pior do que isso, a colocação de um rótulo ambiental a esta política florestal é uma mistificação, pois não se vislumbram sérias preocupações ambientais nestas opções do governo. Também no que diz respeito à floresta, este OE2020 não protege os mais pequenos. Constitui, sim, um verdadeiro ataque aos mais pequenos e aos mais frágeis.
Em defesa do ordenamento do espaço rural, da sustentabilidade ambiental e dos interesses de centenas de milhares de pequenos produtores agrícolas e florestais, estas opções do governo só podem ser combatidas.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico