Exaustos. Desorganizados. Irritados. Frustrados. Desesperados. Perdidos. Assim são os pais quando privados do sono. A chegada de um bebé é um momento de alegria na família, mas também de mudanças nas rotinas, incluindo a do sono. Os bebés choram, têm o sono desregulado e, por consequência, os pais tentam acalmá-los, adormecê-los e também descansar. A privação do sono tem consequências? Sim, “pode desencadear depressões, divórcios, desemprego e, em alguns casos, pais arrependidos de serem pais”, enumera Carolina Vale Quaresma, coach familiar. A neurologista Teresa Paiva desdramatiza e declara que se não estiver doente, o bebé dorme bem. O problema pode estar nos pais, alerta.
É preciso educar os bebés para dormir? Teresa Paiva, neurologista e especialista do sono, defende que o acto de dormir não precisa de ser educado. “O grande problema é quando o bebé acorda e choraminga e os pais vão logo a correr, seja para lhe dar de mamar, dar a chupeta ou o levar para a cama deles e o bebé habitua-se”, diz, criticando também a ideia que todos os bebés têm, por natureza, problemas para adormecer.
Constança Cordeiro Ferreira, terapeuta no Centro do Bebé, em Lisboa, considera que na maior parte dos casos não existem problemas com o sono dos mais pequenos. O problema é que os pais estão exaustos. “É muito importante haver um trabalho de adaptabilidade com os pais para a realidade de que vão ter de mudar alguns hábitos, para garantirmos que não vão estar privados de sono. O sono tem de ser uma prioridade para todos”, defende.
Hábitos como adormecer o filho ao colo, embalado ou na “maminha” levam à criação de uma dependência que, mais cedo ou mais tarde, é difícil de combater. Por isso, é importante habituar a criança a adormecer sem ajudas externas, aconselha Carolina Vale Quaresma. Para Constança Cordeiro Ferreira não há problema que a criança adormeça a mamar. “O leite materno tem componentes como triptofano, melatonina, endorfinas e uma composição variável consoante o dia e a noite, que vai favorecer o sono, ao contrário do que é muitas vezes dito aos pais”, justifica. “O silêncio da casa e o sono dos pais criam a atmosfera para [o bebé] dormir”, recomenda, por seu lado, Marina Fuertes, docente na Escola Superior de Educação de Lisboa (ESEL). Além de se habituar a estar na cama, a calma e o silêncio também ajudam a criança a regular as suas emoções, acrescenta.
Pais sobrevivem
“Educar o sono” pressupõe que a maneira de adormecer ou de dormir está errada e que é necessário corrigi-la, começa por dizer Constança Cordeiro Ferreira. O que acontece é que essa é uma ideia errada, continua. “Parte do problema vem daí [desse pressuposto]. Um bebé nos primeiros meses procura as condições óptimas para descansar e os pais têm a cabeça cheia de medos, que lhes foram colocados, e, logo aí, têm medo de dar a mama, dar colo ou conforto”, aponta. Além disso, as mães mudam de hábitos, as “mulheres têm dificuldade em quererem arranjar-se, em estar com os amigos, em viver. E tudo se resume a isso: com a privação de sono os pais nem sempre vivem, sobrevivem ao dia-a-dia”, nota Carolina Vale Quaresma.
“Muitas vezes, os bebés não ficam tão mal como os pais. A privação de sono tem um impacto enorme nos adultos, mais ainda nos pais”, avisa Constança Cordeiro Ferreira. E não descansar pode levar a algumas complicações de saúde, alerta Teresa Paiva: os pais podem vir a ter problemas de saúde mental como depressão, ansiedade, dores de cabeça e insónias crónicas; mas também doenças físicas, como as cardíacas, cardiovasculares ou aumento de peso. Quanto aos filhos, dormir pouco ou com muitas pausas pelo meio pode afectar a memória, baixar a imunidade às bactérias e a regulação do apetite, tal como a capacidade dos bebés em gerir emoções, refere Carolina Vale Quaresma, acrescentando que, a longo prazo, as crianças podem vir a ter dificuldades de aprendizagem, falta de concentração e agitação elevada.
A agitação e o choro constante, a dependência da criança para ser alimentada e os “cuidados frequentes” são os grandes causadores da privação do sono dos pais. Então, como conseguir que toda a família descanse? De acordo com Carolina Vale Quaresma, para o bebé não sentir que estão “com truques para o enganar”, deve ir acordado para o berço e ter noção do que está a acontecer. “Nada melhor para um bebé ser seguro que sentir que pode confiar na mãe no pai”, defende.
Para Marina Fuertes não se deve forçar a criança a dormir, com o risco de criar tensão, tensão que levará o bebé a resistir ao sono por o considerar algo “indesejável”, ficando assim mais rabugento e, consequentemente, com mais dificuldade para adormecer. Não interromper o descanso do bebé para o alimentar, ou simplesmente por medo de ele não dormir quando os pais desejam, são actos importantes que ajudam o bebé a desenvolver a “aprendizagem biológica do dormir”, fundamenta. Criar uma rotina de sono, juntamente com uma rotina para alimentação e banhos, ajudará o bebé a “antecipar a hora do sono”, aconselha.
Dormir pouco ou muito?
Segundo Carolina Vale Quaresma, os bebés não dormem tempo suficiente. Por exemplo, até aos 6 meses de idade deveriam dormir cerca de 12 horas nocturnas e 4 horas diurnas. Constança Cordeiro Ferreira diz que existem fases em que o descanso infantil poderá ser mais afectado como, por exemplo, quando os bebés começam a gatinhar, iniciam a alimentação complementar ou quando a mãe ou o pai regressam ao trabalho. “Os pais devem saber isto e não ficarem aflitos”, lembra.
Com o intuito de ter uma “boa noite de sono” e também de evitar o uso de tecnologia, tablets ou smartphones, para adormecer, a professora Marina Fuertes aconselha a criar o “momento da leitura” após o primeiro ano de vida do bebé, inicialmente com livros apenas com imagens, depois com pequenas histórias e, após os 3 anos, uma história real ou imaginada pelos pais. A escolha não deve recair sobre histórias “com monstros ou excesso de estímulos”, pois podem despertar a criança.
Com experiência no apoio a famílias em França, Inglaterra, Países Baixos, Austrália, Nova Zelândia, Tailândia e Camboja, Carolina Vale Quaresma nota algumas diferenças no comportamento do sono, por exemplo, na Ásia as crianças dormem “onde quer que se deitem”; já na Austrália, as crianças deitam-se por volta das 19 horas. Sobre a Europa, a especialista acredita que o Norte se destaca nas regras e rotinas implementadas. “Mesmo que culturalmente sejamos um povo que dorme pouco e que considera dormir uma perda de tempo, o paradigma está a mudar, e esse é um ponto a favor das próximas gerações. É a minha esperança”, conclui.
Texto editado por Bárbara Wong